O poder das celebrações: como o fim de ano reativa lembranças e memórias que moldam quem somos?

As festas de fim de ano, como Natal e Ano Novo, ocupam um lugar especial na vida das pessoas, pois provocam nostalgia, evocam lembranças de momentos vividos e impactam positivamente a autoestima, as conexões sociais e o sentido da vida por meio de estímulos sensoriais e olfativos, como o som de músicas típicas, o brilho das luzes e os aromas dos pratos natalinos, que reforçam memórias afetivas e experiências significativas (Jiang et al., 2021).
Além da reunião com pessoas queridas e do clima afetivo, essas celebrações funcionam como marcos que ajudam a organizar as nossas lembranças e reforçar quem somos. A ciência tem mostrado que esses momentos atuam como marcadores de tempo, caracterizando-se como rituais, e exercem um papel importante na memória autobiográfica, especialmente quando associados às emoções positivas e são repetidas ao longo dos anos.
Pesquisas recentes têm explorado como rituais culturais influenciam a forma como cada pessoa constrói sua própria história. Wang (2023), por exemplo, discute como rituais sociais estruturados ajudam a consolidar memórias pessoais, criando pontos fixos que orientam a narrativa de vida de uma pessoa. Segundo a autora, eventos marcados pelo calendário funcionam como âncoras emocionais que facilitam a recuperação de lembranças significativas no decorrer dos anos de vida.
Estudos de Berntsen e Rubin (2023) também reforçam que lembranças associadas aos encontros familiares, tradições e celebrações anuais tendem a ser registradas com maior riqueza de detalhes, especialmente quando carregadas de emoções positivas. Isso explica porque tantas pessoas recordam, com nitidez, um evento de Natal específico ou uma celebração de Ano Novo considerado marcante, ao revisarem momentos de sua vida.
Outro trabalho importante é o de Ricoeur e Fernández (2024), que aponta como eventos simbólicos e sazonais estimulam processos de memória ligados à identidade. A pesquisa destaca que celebrações repletas de significado favorecem a atualização de histórias pessoais e fortalecem a sensação de continuidade ao longo da vida.
Por isso, as festas de fim de ano vão muito além da decoração, da mesa farta ou de presentes. Elas criam oportunidades para revisitarmos lembranças, fortalecer nossos vínculos familiares e reafirmar valores compartilhados. Entre pessoas idosas, em especial, essas datas desempenham um papel essencial na manutenção da identidade, da autoestima e do sentimento de pertencimento.
Em meio à correria do cotidiano, as festas permanecem como momentos de pausa e reconexão. São elas que permitem olhar para trás, resgatar memórias e, ao mesmo tempo, abrir espaço para novas histórias que, no futuro, também farão parte da autobiografia de cada pessoa. Pesquisas recentes na psicologia cultural e social têm aprofundado a compreensão sobre como os rituais de fim de ano funcionam como mecanismos de *coerência narrativa*. Segundo Boyer e Liénard (2022), rituais repetitivos ajudam o cérebro a organizar o tempo de forma mais estável, permitindo que lembranças emocionais se estruturem em um padrão reconhecível. Assim, momentos como decorar a casa, montar a árvore ou preparar pratos tradicionais reforçam a sensação de continuidade entre passado e presente. De acordo com Immordino-Yang e Yang (2023), experiências sociais dotadas de forte valor simbólico ativam sistemas neurais responsáveis por integrar emoção, identidade e autoconsciência, tornando as recordações mais duradouras.
Pesquisas na área do envelhecimento também reforçam a importância das celebrações. A meta-análise de Harris e Stevenson (2024) destacaram que rituais anuais, como as festas de fim de ano, ajudam pessoas idosas a manter um senso de pertencimento familiar, diminuem sentimentos de isolamento social e fortalecem a memória autobiográfica, especialmente quando essas tradições são compartilhadas entre pessoas de diferentes gerações.
Do ponto de vista antropológico, novas contribuições, como as de Miller (2022), enfatizam que as festas de final de ano funcionam como um ritual universalizado de fechamento e renovação. Esse simbolismo cultural contribui para que as pessoas revisitem marcos pessoais, reorganizem suas narrativas internas e criem expectativas para o ciclo que se inicia, reforçando a importância emocional e identitária desses períodos.
Dessa maneira, as festas de fim de ano, como Natal e Ano Novo, são muito mais do que uma data comemorativa ou um feriado marcado no calendário. Elas são verdadeiras oportunidades de criar vínculos entre as pessoas, reafirmar quem somos e fortalecer nossas memórias, especialmente a memória autobiográfica. Essas celebrações despertam emoções positivas e trazem lembranças construídas e compartilhadas ao longo da vida, contribuindo para a construção da nossa história, para o bem-estar e para a valorização da experiência vivida ao longo dos anos.
Leia também: O “cheiro de fim de ano” existe – e a neurociência explica!
REFERÊNCIAS:
BERNTSEN, Dorthe; RUBIN, David C. Emotionally significant events and long-term autobiographical memory. 2023.
BOYER, Pascal; LIÉNARD, Pierre. Evolutionary perspectives on ritualized behavior. Current Directions in Psychological Science, 2022.
HARRIS, L.; STEVENSON, J. Seasonal rituals and autobiographical memory in aging populations: A meta-analysis. Aging & Mental Health, 2024.
IMMORDINO-YANG, Mary Helen; YANG, Jin. Emotion, identity, and memory: Neural integration in meaningful social experiences. *Nature Human Behaviour, 2023.
JIANG, T. et al. Nostalgia, reflection, brooding: Psychological benefits and autobiographical memory functions. 2021.
MILLER, Daniel. Rituals of renewal: Anthropological perspectives on end-of-year celebrations. Journal of Ritual Studies, 2022.
RICOEUR, A.; FERNÁNDEZ, M.Symbolic events and autobiographical memory retrieval. 2024.
WANG, Qi. Cultural rituals and autobiographical memory across the lifespan. Memory Studies, 2023.
Assinam este texto:
Beatriz Bagli Moreira- Graduanda do curso de Bacharelado em Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Atua como monitora do projeto Oficina Revivendo Memórias através das paixões da USP 60+, coordenado pela Profa. Dra. Thais Bento. E-mail: beatrizbagli@usp.br
Larissa Januário – Graduanda do curso de Bacharelado em Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Atua como monitora do projeto Oficina Revivendo Memórias através das paixões da USP 60+ da EACH-USP, coordenado pela Profa. Dra. Thais Bento. E-mail: larijanu2@usp.br
Vanessa Di Gregório Morais – Graduanda do curso de Bacharelado em Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Atua como monitora do projeto Oficina Revivendo Memórias através das paixões da USP 60+ da EACH-USP, coordenado pela Profa. Dra. Thais Bento. E-mail: vanessadigmorais@usp.br
Profa. Dra. Thais Bento Lima da Silva – Gerontóloga formada pela Universidade de
São Paulo (USP). Mestra e Doutora em Ciências com ênfase em Neurologia Cognitiva e do Comportamento, pela Faculdade de Medicina da USP. Docente do curso de Bacharelado e de Pós-Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e vice-diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É parceira científica do Método Supera. Coordenadora do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da Universidade de São Paulo.
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