Veranópolis, a cidade brasileira de centenários, e o documentário recém lançado

Ao mesmo tempo que o fenômeno do envelhecimento populacional global gera desafios, também proporciona oportunidades, inclusive para a saúde pública. No Brasil, esse cenário se intensifica de maneira heterogênea entre estados e municípios, e alguns territórios tornam-se referências pela sua capacidade de promover longevidade com qualidade. Veranópolis, município do interior do Rio Grande do Sul, é um exemplo desse processo.
Desde meados da década de 1990, Veranópolis se tornou um laboratório vivo para o estudo do envelhecimento. O Projeto Veranópolis, iniciado em 1994, estabeleceu uma das mais importantes coortes brasileiras de pessoas idosas longevas. Naquele momento, foram recrutados 242 indivíduos com 80 anos ou mais, número que equivalia a cerca de 87,4% de toda a população nessa faixa etária residente na cidade (Vivian et al., 2019). Ao longo dos 21 anos de seguimento, esse estudo permitiu conhecer fatores associados à sobrevida, condições de funcionalidade e impactos de estilo de vida e condições de saúde sobre o envelhecimento.
Os dados coletados revelaram que fatores clássicos de risco cardiovascular, como diabetes, tabagismo e inatividade física, continuavam associados à mortalidade mesmo em pessoas muito idosas. Na amostra acompanhada, indivíduos com diabetes tinham quase quatro vezes mais risco de mortalidade e tabagistas apresentaram risco mais que duplicado. Em contrapartida, a prática de atividade física vigorosa reduziu em 51% o risco de morte (Vivian et al., 2019). Esses resultados reforçam que além de ser um fenômeno genético, a longevidade é influenciada por modificação de hábitos cotidianos.
Em paralelo aos estudos biomédicos, outras investigações em Veranópolis evidenciaram dimensões psicossociais determinantes. Uma pesquisa conduzida com 81 pessoas idosas apontou níveis elevados de qualidade de vida, sendo preditores positivos a participação em atividades de lazer, ausência de sintomas depressivos e não uso contínuo de medicações (Farenzena et al., 2007). O contexto local parece favorecer essas condições. O município oferece espaços de convivência, acesso facilitado a práticas religiosas, vínculos comunitários e ambiente urbano seguro, aspectos associados à sensação de pertencimento, bem-estar emocional e autonomia. Os autores destacam que, em Veranópolis, mesmo pessoas idosas com baixa renda não relatavam, majoritariamente, preocupação financeira, possivelmente devido ao suporte familiar e programas locais de prevenção em saúde (Farenzena et al., 2007).
Esse ambiente social protetivo também é observado nas chamadas “blue zones”, regiões do mundo com expectativa de vida acima da média, como Sardenha, Icária e Okinawa. O documentário Conversas nas Zonas Azuis, lançado recentemente, evidencia o protagonismo das pessoas idosas, valorizando suas narrativas, práticas culturais, alimentação tradicional, lazer e vida comunitária. Em diversas cenas, o envelhecer é narrado como caminho coletivo, nunca solitário. Esse olhar encontra ressonância em Veranópolis: muitas das pessoas longevas mantiveram vínculos comunitários, trabalharam até idades avançadas, caminharam com frequência e participavam de atividades sociais compartilhadas.
O diálogo entre o documentário e a realidade veranense se fortalece especialmente ao observar que longevidade está além do prolongamento cronológico da vida, mas envolve o usufruto ativo do tempo. Nos estudos municipais, as pessoas idosas engajadas em atividades comunitárias apresentaram melhor qualidade de vida nos domínios físico e psicológico, em comparação àqueles não inseridos em tais interações sociais (Farenzena et al., 2007).. No documentário Conversas nas Zonas Azuis, os relatos de pessoas centenárias reforçam essa dinâmica: cuidar da casa, cozinhar, participar de celebrações religiosas e manter amigos próximos são práticas associadas à boa qualidade de vida.
O fortalecimento de políticas locais em Veranópolis também repercutiu positivamente. A criação do Centro de Geriatria e Gerontologia e de um programa longitudinal de acompanhamento possibilitaram avaliações sistemáticas, educação em saúde e prevenção articulada com os princípios do envelhecimento ativo. É possível afirmar que Veranópolis antecipou algumas diretrizes que a Organização Mundial da Saúde formalizou apenas anos depois, como o foco em ambientes amigáveis à pessoa idosa, estímulo ao autocuidado, integração territorial e valorização da autonomia.
A experiência de Veranópolis revela que o envelhecimento demográfico, além dos desafios, pode impulsionar ações de inovação e cuidado para atender às demandas do envelhecimento e da velhice. Assim como nas blue zones, os resultados dizem respeito à interação entre condições culturais, estilo de vida, vínculos sociais, políticas públicas e redes afetivas.
Leia também: Desempenho cognitivo e estilo de vida de pessoas idosas centenárias
Referências:
FARENZENA, Waleska P.; ARGIMON, Irani de Lima; MORIGUCHI, Emílio Hideki; PORTUGUEZ, Mirna W. Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis. Revista Kairós, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 225-243, dez. 2007.
INSTITUTO MORIGUCHI. Construção do Instituto da Longevidade de Veranópolis. Disponível em: https://www.institutomoriguchi.org.br/site/app/webroot/blog/construcao-do-instituto-da-longevidade-de-veranopolis/?utm_source. Acesso em: 08 dez. 2025.
Tavares, Mariza. Documentário dá voz a idosos e às suas receitas para envelhecer bem. G1 – Blog Longevidade, modo de usar, 23 nov. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidade-modo-de-usar/post/2025/11/23/documentario-da-voz-a-idosos-e-as-suas-receitas-para-envelhecer-bem.ghtml. Acesso em: 08 dez. 2025.
VIVIAN, Lilian et al. Associação de fatores de risco cardiovascular e polimorfismo de APOE com mortalidade em idosos longevos: uma coorte de 21 anos. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 115, n. 5, p. 873-881, 2019.
Assinam esse texto:
Profª Msc. Gabriela dos Santos – Docente do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro (UNISA). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Gerontologia pela Universidade de São Paulo (USP), Graduada em Gerontologia pela USP, com Extensão pela Universidad Estatal Del Valle de Toluca. É pesquisadora no Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da USP e atua com estimulação cognitiva para pessoas idosas.
Profa. Dra. Thais Bento Lima da Silva – Gerontóloga formada pela Universidade de
São Paulo (USP). Mestra e Doutora em Ciências com ênfase em Neurologia Cognitiva e do Comportamento, pela Faculdade de Medicina da USP. Docente do curso de Bacharelado e de Pós-Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e vice-diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É parceira científica do Método Supera. Coordenadora do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da Universidade de São Paulo.
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