Como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade?
A emergência das neurociências no final do século XX revolucionou a forma como entendemos os processos de produção e de acesso ao conhecimento por parte do próprio ser humano. Falar do desenvolvimento cognitivo e entender como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, também implica explicar as modalidades e alternativas que possam ajudar no desenvolvimento, melhorias e manutenção das habilidades cognitivas.
A existência de plasticidade neuronal, tem um papel fundamental na construção de novas redes que permitem a criação de novas oportunidades de aprendizagem, como aliás há a própria estrutura da personalidade, a vivência dos afetos, as condições de interação, as identidades envolvidas e o desenvolvimento da linguagem e aprendizagem.
Em consequência, os primeiros anos de vida representam a primeira janela de oportunidade para a proteção e o estímulo ao desenvolvimento do cérebro. Dessa forma, a convivência com pares e a consolidação de leitura e estudos oportunizados no ambiente escolar e no âmbito familiar são atravessados por aspectos de alfabetização, repercutindo no desenvolvimento cerebral dos indivíduos.
Neste contexto, para entender como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, a falta de estímulos ambientais, sociais e cognitivos, como também, o de aprendizagem ao longo da vida e alfabetização, podem acarretar no desenvolvimento de problemas emocionais, neurológicos e até em quadros demenciais. Nesse sentido, além da falta de estímulos para o processo de aprendizagem, ela pode desenvolver muito mais lentamente os processos de habilidades cognitivas, como o de linguagem – sendo uma das habilidades indispensáveis para a alfabetização.
Ao retratar sobre a alfabetização no Brasil, ainda é uma questão de muita desigualdade no país. O Brasil é um país muito heterogêneo na educação num espectro que vai do analbetismo, analfabetismo funcioal até os escolarizados, porém mesmo dentre os que frequentaram a escola e têm o mesmo nível educacional, pode-se observar graus de escolaridade o que se deve à desigualdade do sistema de ensino.
Ainda assim, quando pensamos no contextro de aprendizagem dos idosos, dados da pesquisa de Pache e seus colegas (2021) sobre a situação educacional brasileira, foi utilizado a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do ano de 2018; consultou-se o Censo de 2010 para a obtenção do Produto Interno Bruto (PIB); avaliação do resultado por região do ENEM 2018, sendo analisada o analfabetismo em diferentes regiões do país.
Essa focalização regional, seguida de desigualdade, se estende até a contemporaneidade, refletindo em questões econômicas e sociais, ocasionando um ciclo. Segundo dados do IBGE (2010), a região sudeste é a mais economicamente desenvolvida do país, responsável por 55,4% do Produto Interno Bruto brasileiro (PACHE et al., 2021).
No Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), as escolas públicas da região Sudeste destacam-se sobre as das regiões Norte e Nordeste. Em relação ao analfabetismo dos anos 2016 e 2017, ainda que houve uma diminuição na taxa de analfabetismo, a região nordeste (13,9%) possui um percentual maior que quatro vezes que a região Sul(3,6%)e Sudeste (3,4%) e duas vezes maior que a média brasileira (6,7%), (PACHE et al., 2021)..
No Brasil considera-se analfabeto funcional o indivíduo que possui 15 anos ou mais anos de idade e menos de quatro anos de estudos completos. Em geral, ele lê e escreve frases simples, mas não consegue, por exemplo, interpretar textos.
Além disso, é válido salientar quando refletimos sobre como os idosos aprendem que, que quanto maior o nível de escolaridade, estímulos cognitivos, maior será a reserva cognitiva de um indivíduo, que se dá pela plasticidade neural.
Como idosos aprendem: uma reflexão sobre a plasticidade neuronal
Nesse contexto, a plasticidade neuronal além de importante, é benéfica em vários aspectos, e uma das formas de potencializar essa capacidade nas pessoas idosas, é através do treino cognitivo, que por sua vez, pode ser definido como uma técnica (ensinar e treinar) que propõe guiar tarefas padronizadas para aumentar ou manter funções cognitivas específicas, como por exemplo, a memória.
Dessa forma, há uma gama de estudos que comprovam os benefícios e ganhos no desempenho cognitivo e na conectividade neural de pessoas idosas de baixa escolaridade – sendo uma área de estudo que ganhou ênfase como uma alternativa para melhorar a qualidade de vida de indivíduos não alfabetizados.
Nesse sentido, para entender melhor como os idosos aprendem, a pesquisadora Elisa de Paula Franca (2015) em sua pesquisa de tese de Doutorado, enfatizou que nos últimos anos, muitos estudos vêm demonstrando que a alfabetização influencia o funcionamento e a estrutura cerebral.
Em seu estudo também é citado que a realização de pesquisas com Ressonância Magnética funcional, já demonstraram a ativação de áreas cerebrais, tendo resultados diferentes no o funcionamento do cérebro do analfabeto comparado ao alfabetizado.
O treino cognitivo foi aliado com os testes de memória utilizados na pesquisa, tais como: Bateria Cognitiva Breve, Teste Auditivo Verbal de Rey e Aquisição da neuroimagem, processamento e análise foram mensurados em uma amostra de trinta e um participantes.
Outro fator de interesse na pesquisa, é a descrição da respectiva informação: “para a análise de contraste entre alfabetizados e analfabetos foram analisados os fascículos longitudinal superior, fronto-occipital inferior e longitudinal inferior. Esses três fascículos conectam áreas visuais primárias com áreas da linguagem oral e da escrita, acreditando-se que sejam importantes no processo de alfabetização” .
Entre os achados, foi demonstrado nas análises de correlação, o desempenho evocação tardia correlacionou-se com Fractional Anisotropy (FA) em feixes de conexão frontal temporal e parietal na análise de todo o cérebro e com o cíngulo da parte hipocampal (CHC) bilateralmente e fascículo longitudinal superior direito na análise Region of interest (ROI).
Neste estudo o desempenho na soma da pontuação de um teste neuropsicológico RAVLT (Rey Auditory Verbal Learning Test) e o desempenho em memória imediata) e a pontuação RAVLT em evocação tardia se correlacionaram com o cíngulo da parte hipocampal bilateralmente. O estudo concluiu com os achados de neuroimagem que a integridade da microestrutura da substância branca cerebral correlacionou-se com o desempenho em testes de memória episódica, bem como associou-se à alfabetização em uma coorte de idosos da comunidade.
Já no estudo de Henrique Salmazo e Mônica Sanches (2009), os autores objetivaram descrever os benefícios potenciais do treinamento de memória para idosos com zero a dois anos de educação formal e comparar a eficácia do treinamento de categorização e imaginação visual nessa amostra.
A amostra foi composta por 29 pessoas idosas saudáveis com zero a dois anos de escolaridade. Dezesseis participantes receberam treino baseado em categorização e 13 receberam treino baseado em imagens mentais. Cada grupo (grupo de categorização e grupo de imagens mentais) recebeu oito sessões de treinamento. As sessões eram oferecidas duas vezes por semana e tinham duração de 90 minutos.
Um grupo serviu como controle para o outro porque cada grupo aprendeu uma estratégia mnemônica específica e não se esperava que os ganhos de treino fossem transferidos para tarefas não treinadas.
No grupo de categorização, as sessões incluíram exercícios direcionados à atenção visual e auditiva, fluência verbal e memória episódica. As tarefas de memória episódica envolviam a memorização de itens de mercearia (objetos tridimensionais) e fotos ou imagens.
Ganhos do treino cognitivo para idosos
Os participantes do grupo de imagens mentais foram encorajados a criar imagens mentais de itens individuais, como uma maçã, um guarda-chuva e alguns objetos de supermercado. Eles também foram incentivados a imaginar os itens em diferentes estados e condições, envolvendo movimento, cor, cheiro e diferentes arranjos espaciais (por exemplo, um guarda-chuva aberto e fechado).
Para a avaliação dos participantes e entender como os idosos aprendem além de avaliar o estado cognitivo geral dos participantes, o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e o Teste de Fluência Verbal foram aplicados pré e pós-teste. A Escala de Depressão Geriátrica (GDS) foi utilizada para quantificar a presença de sintomas depressivos devido aos critérios de inclusão. A GDS também foi usada para avaliar o efeito da intervenção nos sintomas depressivos. O MMSE avalia memória, atenção, linguagem e praxia, e as pontuações variam de 0 a 20 pontos.
Além dos instrumentos de triagem cognitiva, testes de memória episódica visual e auditiva foram utilizados para avaliar a eficácia do treinamento. A memória episódica visual foi avaliada por um teste de 18 imagens em preto e branco desenvolvido por Carvalho, Neri e Yassuda (no prelo).
A memória auditiva foi avaliada pelo subteste de histórias do Teste Comportamental de Memória de Rivermead (RBMT) (Wilson, Cockburn, & Baddeley, 1985; Wilson, Cockburn, Baddeley, & Hiorns, 1989).
Após as intervenções e aplicações dos testes, os achados da pesquisa indicaram que no pós-teste os participantes do grupo de imagens mentais apresentaram melhor desempenho na evocação imediata e tardia das histórias do (RBMT), e houve redução dos sintomas depressivos. Por outro lado, o grupo de categorização mostrou um aumento significativo na categorização das 18 imagens durante a evocação.
Em síntese, os resultados apresentados neste estudo foram uma tentativa inicial de documentar a presença de plasticidade cognitiva em idosos com pouca ou nenhuma escolaridade. Compreender como a educação e as habilidades escritas podem impactar a plasticidade cognitiva na velhice representa uma área interessante de investigação.
Dessa forma, no contexto do entendimento de como os idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, os resultados sugerem que é possível aumentar o desempenho da memória episódica nessa população. Isso é especialmente verdade quando as estratégias envolvem a criação de imagens mentais, que podem ser uma estratégia mais significativa para essa população.
Assinam este artigo:
Cássia Elisa Rossetto Verga
Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA – Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de treino e estimulação cognitiva para idosos, com enfoque em neurologia cognitiva. É membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Já foi bolsista PUB da Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de música e letramento digital. Participou como assessora de Projetos e Recursos Humanos na Empresa Geronto Júnior entre os anos de 2019 a 2020.
Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva
Gerontóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera.
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