Como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade?

Publicado em: 18/04/2023 | Última modificação em 01/07/2023 Por Assessoria de Imprensa SUPERA

A emergência das neurociências no final do século XX revolucionou a forma como entendemos os processos de produção e de acesso ao conhecimento por parte do próprio ser humano. Falar do desenvolvimento cognitivo e entender como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, também implica explicar as modalidades e alternativas que possam ajudar no desenvolvimento, melhorias e manutenção das habilidades cognitivas.

A existência de plasticidade neuronal, tem um papel fundamental na construção de novas redes que permitem a criação de novas oportunidades de aprendizagem, como aliás há a própria estrutura da personalidade, a vivência dos afetos, as condições de interação, as identidades envolvidas e o desenvolvimento da linguagem e aprendizagem.

 mulher pensando na janela

Em consequência, os primeiros anos de vida representam a primeira janela de oportunidade para a proteção e o estímulo ao desenvolvimento do cérebro. Dessa forma, a convivência com pares e a consolidação de leitura e estudos oportunizados no ambiente escolar e no âmbito familiar são atravessados por aspectos de alfabetização, repercutindo no desenvolvimento cerebral dos indivíduos.

Neste contexto, para entender como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, a falta de estímulos ambientais, sociais e cognitivos, como também, o de aprendizagem ao longo da vida e alfabetização, podem acarretar no desenvolvimento de problemas emocionais, neurológicos e até em quadros demenciais. Nesse sentido, além da falta de estímulos para o processo de aprendizagem, ela pode desenvolver muito mais lentamente os processos de habilidades cognitivas, como o de linguagem – sendo uma das habilidades indispensáveis para a alfabetização.

Ao retratar sobre a alfabetização no Brasil, ainda é uma questão de muita desigualdade no país. O Brasil é um país muito heterogêneo na educação num espectro que vai do analbetismo, analfabetismo funcioal até os escolarizados, porém mesmo dentre os que frequentaram a escola e têm o mesmo nível educacional, pode-se observar graus de escolaridade o que se deve à desigualdade do sistema de ensino.

Como idosos aprendem

Ainda assim, quando pensamos no contextro de aprendizagem dos idosos, dados da pesquisa de Pache e seus colegas (2021) sobre  a  situação  educacional  brasileira, foi utilizado  a  Pesquisa  Nacional  por  Amostra  de  Domicílios  Contínua  (PNAD Contínua) do  ano de 2018;  consultou-se  o  Censo de 2010 para a obtenção  do Produto Interno Bruto (PIB); avaliação do resultado por região do ENEM 2018, sendo analisada o analfabetismo em diferentes regiões do país.

Essa   focalização   regional,   seguida   de desigualdade,  se  estende  até  a  contemporaneidade,  refletindo  em  questões econômicas  e  sociais,  ocasionando  um  ciclo. Segundo dados do IBGE (2010), a região  sudeste  é  a  mais economicamente  desenvolvida  do  país,  responsável  por  55,4%  do  Produto Interno Bruto brasileiro (PACHE et al., 2021).

Como idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade?

No Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), as escolas públicas da  região  Sudeste  destacam-se  sobre  as  das  regiões  Norte  e  Nordeste.  Em relação  ao  analfabetismo  dos  anos  2016  e  2017,  ainda  que  houve  uma diminuição  na  taxa  de  analfabetismo,  a  região  nordeste  (13,9%)  possui  um percentual maior que quatro vezes que a região Sul(3,6%)e Sudeste (3,4%) e duas vezes maior que a média brasileira (6,7%), (PACHE et al., 2021)..

No Brasil considera-se analfabeto funcional o indivíduo que possui 15 anos ou mais anos de idade e menos de quatro anos de estudos completos. Em geral, ele lê e escreve frases simples, mas não consegue, por exemplo, interpretar textos.

Além disso, é válido salientar quando refletimos sobre como os idosos aprendem que, que quanto maior o nível de escolaridade, estímulos cognitivos, maior será a reserva cognitiva de um indivíduo, que se dá pela plasticidade neural.

Como idosos aprendem: uma reflexão sobre a plasticidade neuronal

Nesse contexto, a plasticidade neuronal além de importante, é benéfica em vários aspectos, e uma das formas de potencializar essa capacidade nas pessoas idosas, é através do treino cognitivo, que por sua vez, pode ser definido como uma técnica (ensinar e treinar) que propõe guiar tarefas padronizadas para aumentar ou manter funções cognitivas específicas, como por exemplo, a memória.

Dessa forma, há uma gama de estudos que comprovam os benefícios e ganhos no desempenho cognitivo e na conectividade neural de pessoas idosas de baixa escolaridade – sendo uma área de estudo que ganhou ênfase como uma alternativa para melhorar a qualidade de vida de indivíduos não alfabetizados.

Nesse sentido, para entender melhor como os idosos aprendem, a pesquisadora Elisa de Paula Franca (2015) em sua pesquisa de tese de Doutorado, enfatizou que nos últimos anos, muitos estudos vêm demonstrando que a alfabetização influencia o funcionamento e a estrutura cerebral.

Em seu estudo também é citado que a realização de pesquisas com Ressonância Magnética funcional, já demonstraram a ativação de áreas cerebrais, tendo resultados diferentes no o funcionamento do cérebro do analfabeto comparado ao alfabetizado.

O treino cognitivo foi aliado com os testes de memória utilizados na pesquisa, tais como: Bateria Cognitiva Breve, Teste Auditivo Verbal de Rey e Aquisição da neuroimagem, processamento e análise foram mensurados em uma amostra de trinta e um participantes.

Outro fator de interesse na pesquisa, é a descrição da respectiva informação: “para a análise de contraste entre alfabetizados e analfabetos foram analisados os fascículos longitudinal superior, fronto-occipital inferior e longitudinal inferior. Esses três fascículos conectam áreas visuais primárias com áreas da linguagem oral e da escrita, acreditando-se que sejam importantes no processo de alfabetização” .

Como idosos aprendem

Entre os achados, foi demonstrado nas análises de correlação, o desempenho evocação tardia correlacionou-se com Fractional Anisotropy (FA) em feixes de conexão frontal temporal e parietal na análise de todo o cérebro e com o cíngulo da parte hipocampal (CHC) bilateralmente e fascículo longitudinal superior direito na análise Region of interest (ROI).

Neste estudo o desempenho na soma da pontuação de um teste neuropsicológico RAVLT (Rey Auditory Verbal Learning Test) e o desempenho em memória imediata) e a pontuação RAVLT em evocação tardia se correlacionaram com o cíngulo da parte hipocampal bilateralmente. O estudo concluiu com os achados de neuroimagem que a integridade da microestrutura da substância branca cerebral correlacionou-se com o desempenho em testes de memória episódica, bem como associou-se à alfabetização em uma coorte de idosos da comunidade.

Já no estudo de Henrique Salmazo e Mônica Sanches (2009), os autores  objetivaram descrever  os  benefícios  potenciais  do  treinamento  de  memória  para  idosos  com  zero  a  dois  anos  de  educação  formal  e  comparar  a  eficácia  do  treinamento  de  categorização  e  imaginação visual  nessa  amostra.

A amostra foi composta por 29 pessoas  idosas  saudáveis com  zero  a  dois  anos  de  escolaridade.  Dezesseis  participantes  receberam treino baseado  em  categorização e 13  receberam  treino  baseado  em  imagens  mentais.  Cada  grupo (grupo de categorização e grupo de imagens mentais)  recebeu  oito  sessões  de  treinamento.  As  sessões eram  oferecidas  duas  vezes  por  semana  e  tinham  duração  de  90  minutos.

Um grupo  serviu  como  controle  para  o  outro  porque  cada  grupo  aprendeu  uma estratégia  mnemônica  específica  e  não  se  esperava  que  os  ganhos  de treino fossem  transferidos  para  tarefas  não  treinadas.

No  grupo  de categorização,  as  sessões  incluíram  exercícios  direcionados  à  atenção visual  e  auditiva,  fluência  verbal  e  memória  episódica. As  tarefas  de  memória  episódica  envolviam  a  memorização  de  itens  de  mercearia  (objetos  tridimensionais)  e  fotos  ou  imagens.

melhorar seu raciocínio

Ganhos do treino cognitivo para idosos

Os  participantes  do  grupo  de imagens mentais  foram  encorajados  a  criar  imagens  mentais de itens  individuais,  como  uma  maçã,  um  guarda-chuva  e  alguns  objetos de supermercado.  Eles  também  foram  incentivados  a  imaginar  os  itens  em  diferentes estados  e  condições,  envolvendo  movimento,  cor,  cheiro  e  diferentes  arranjos  espaciais  (por  exemplo,  um  guarda-chuva  aberto  e  fechado).

Para a avaliação dos participantes e entender como os idosos aprendem além de avaliar  o  estado  cognitivo  geral  dos  participantes,  o  Mini-Exame  do Estado  Mental  (MEEM)  e  o  Teste  de  Fluência  Verbal  foram  aplicados  pré  e  pós-teste.  A  Escala  de  Depressão  Geriátrica  (GDS)  foi  utilizada  para quantificar  a  presença  de  sintomas  depressivos  devido  aos  critérios  de  inclusão.  A  GDS  também  foi  usada  para  avaliar  o  efeito  da  intervenção nos sintomas  depressivos.  O  MMSE  avalia  memória,  atenção,  linguagem  e  praxia,  e  as  pontuações  variam  de 0  a  20  pontos.

Além  dos  instrumentos  de  triagem  cognitiva,  testes  de  memória  episódica  visual  e  auditiva  foram  utilizados  para  avaliar  a  eficácia  do treinamento.  A  memória  episódica  visual  foi  avaliada  por  um  teste  de  18  imagens  em  preto  e  branco  desenvolvido  por  Carvalho,  Neri  e  Yassuda  (no  prelo).

A  memória  auditiva  foi  avaliada  pelo  subteste  de  histórias  do  Teste Comportamental de Memória de Rivermead  (RBMT)  (Wilson,  Cockburn,  &  Baddeley,  1985;  Wilson,  Cockburn,  Baddeley,  &  Hiorns,  1989).

Após as intervenções e aplicações dos testes, os achados da pesquisa indicaram  que  no  pós-teste os participantes  do  grupo de imagens mentais  apresentaram  melhor  desempenho  na  evocação  imediata  e  tardia  das  histórias  do  (RBMT),  e  houve  redução  dos  sintomas  depressivos.  Por  outro  lado,  o  grupo de categorização  mostrou  um  aumento  significativo  na  categorização  das  18  imagens durante  a  evocação.

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Em  síntese,  os  resultados  apresentados  neste  estudo  foram  uma  tentativa  inicial  de  documentar  a  presença  de  plasticidade  cognitiva  em  idosos  com  pouca  ou  nenhuma  escolaridade. Compreender  como  a  educação  e  as  habilidades  escritas  podem  impactar a  plasticidade  cognitiva  na  velhice  representa  uma  área  interessante  de  investigação.

Dessa forma, no contexto do entendimento de como os idosos aprendem mesmo com baixa escolaridade, os  resultados  sugerem  que  é  possível  aumentar  o  desempenho  da  memória  episódica nessa  população. Isso  é  especialmente  verdade  quando  as  estratégias  envolvem  a  criação  de  imagens mentais,  que  podem  ser  uma  estratégia  mais  significativa  para  essa  população.


Assinam este artigo:

Cássia Elisa Rossetto Verga

Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA – Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de treino e estimulação cognitiva para idosos, com enfoque em neurologia cognitiva. É membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Já foi bolsista PUB da Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de música e letramento digital. Participou como assessora de Projetos e Recursos Humanos na Empresa Geronto Júnior entre os anos de 2019 a 2020.

Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva

Gerontóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera.

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