A pandemia de COVID-19, além de vítimas humanas e consequências econômicas, deixa um saldo negativo para a cognição de milhões de pessoas que já manifestam, segundo os médicos, sintomas conhecidos como sequelas do pós-COVID-19.
Em alguns casos os relatos dos acometidos pelo vírus incluem – além de ausência prolongada de olfato e paladar e dificuldade para respirar, mesmo após a recuperação da doença, indícios relacionados a cognição como lentidão no raciocínio, dificuldade com a memória e para assimilar novas informações.
Foi assim com Dilma Gomes, empresária e especialista em ginástica para o cérebro da unidade SUPERA em Cruz das Almas (BA) que teve COVID-19 em fevereiro de 2021.
Ao testar positivo, a empresária notou que os sintomas não coincidiam com os mais comuns, além de dor de cabeça, fadiga e tristeza, percebeu uma grande lentidão ao realizar tarefas simples e dificuldade com a memória recente.
“Para você ter uma ideia de como isso foi severo em mim, tive dificuldade para lembrar a idade do meu próprio filho, que já tinha feito 15 anos e em uma conversa com o meu cunhado eu insistia que ele tinha 14. Já havia percebido que algo estava errado com a minha cognição, mas neste momento compreendi o quanto o vírus havia prejudicado minha memória recente, busquei ajuda imediatamente”, lembrou.
Como já havia se beneficiado do treino cognitivo anteriormente, por ser sua área de atuação profissional, a empresária não hesitou em retornar às aulas com o uso diário do ábaco e os estímulos cognitivos conhecidos popularmente como ginástica para o cérebro na unidade SUPERA em Cruz das Almas (BA), além de um curso de design de interiores que ela começou a fazer pela internet.
Novas informações e estímulos para obrigar o próprio cérebro a retomar suas conexões e mesmo desempenho que ela tinha antes de adoecer por COVID-19.
“Percebi ainda uma irritabilidade e prejuízo nas minhas funções executivas: não tinha mais autocontrole sobre as minhas emoções e não media as consequências. Ainda estou com lentidão na fala e dificuldade de organizar minhas ideias, mas percebi que o uso do ábaco diariamente, na escola e em casa, foi decisivo neste processo de recuperação da minha mente depois de ter tido COVID-19”, avaliou.
Como o vírus afeta a memória e a concentração
Com as pesquisas anda em andamento e a identificação de novas variantes do vírus em vários países, as avaliações médicas vem, sobretudo, da observação de pacientes como Dilma que apresentaram sintomas adversos quando contraíram formas moderadas e graves da doença.
Desde o início da pandemia, o neuro intensivista Marco Paulo Nanci se reveza em atendimentos em Taubaté (SP) e São Paulo (SP) e vem observando de perto as manifestações neurológicas de pacientes internados com COVID-19.
Até agora o que mais tem chamado a atenção de médicos como ele é a manifestação cada vez mais frequentes de sintomas neurológicos que incluem delírios, confusão e alteração comportamental, rebaixamento do nível de consciência, dificuldade para interagir com o meio e com as pessoas, ausência de processamento cerebral adequado entre outras manifestações que sinalizam lesões no sistema nervoso, segundo o médico.
Inúmeros relatos semelhantes aos da empresária Dilma, demonstram para os médicos uma capacidade do vírus de afetar regiões importantes do cérebro, como a memória.
“O vírus tem esse potencial de levar a alteração direta ou indireta do cérebro. Pode levar a uma diminuição do processamento neuronal, quer seja pela diminuição da oxigenação dos neurônios, ou até mesmo por lesão direta dos neurônios, essa lesão vai acabar diminuindo as conexões entre os neurônios e vai diminuir as sinapses, que são as conexões entre os neurônios e com isso o processamento cerebral fica alterado e lentificado.
Essa lentificação do processamento cerebral leva a diminuição do processamento de memória e leva a alterações cognitivas”, explicou.
A professora Lilian Célia Ribeiro, de 54 anos, aluna SUPERA em Cruz das Almas (BA) sempre se considerou uma pessoa desligada e hiperativa, características que, segundo ela, foram acentuadas depois de ter contraído COVID-19 em outubro do ano passado.
“Eu sempre fui hiperativa e desligada, mas depois do COVID-19 isso começou a me incomodar demais, estava esquecendo muito além do que eu já esquecia. Foi então que decidi fazer aulas de estimulação cognitiva. Estou há um mês e já percebi muita diferença, estou mais atenta e concentrada em minhas tarefas, mesmo com pouco tempo de estimulação”, avaliou.
Como funciona o treino cognitivo?
O treino cognitivo está baseado no conceito de neuroplasticidade do cérebro. A plasticidade neuronal é a capacidade que o sistema nervoso tem de se adaptar, de se reorganizar e se modificar de acordo com a demanda, isto é, de acordo com as interações e estímulos com o meio ambiente interno e externo, ou ainda como resultante de lesões que afetam o sistema nervoso.
A neuroplasticidade não é uma habilidade específica, é uma característica, uma condição do sistema nervoso.
Ela não é igual para todos porque não há um cérebro igual ao outro pois cada um é modificado por estratégias cognitivas específicas de acordo com os desafios ambientais.
Através de estímulos que envolvem novidade, variedade e grau de desafio crescente, a ginástica para o cérebro consegue colaborar de forma positiva no treino cognitivo de pessoas que foram acometidas por COVID-19 e que relatam queixas de prejuízos cognitivos no pós doença.
O estímulo cognitivo para recuperação emocional
Depois de mais de um ano de incertezas e muitas mudanças, as consequências da pandemia atingem também a autoestima de pessoas que sobreviveram à enfermidade.
Em Caucaia (CE), o empresário Mauro Barros Costa, proprietário da franquia SUPERA – Ginástica para o cérebro teve COVID-19 no início de março e sentiu os sintomas da doença surgirem de repente com falta de ar acentuada e fortes dores no corpo.
“Fiquei 20 dias em isolamento e o que mais me afetou foi a ansiedade no processo de recuperação, sem ter contato com as pessoas”, lembrou.
Para ele, mais do que ajudar na recuperação da memória e raciocínio após a doença, o treino cognitivo pode trazer benefícios que vão afetar diretamente a produtividade de diferentes públicos, mesmo aquelas pessoas que não tiveram contato com o vírus, mas que inevitavelmente foram prejudicadas em sua cognição.
“São milhões de crianças em ensino remoto, idosos ainda isolados, e adultos repletos de incertezas. Não temos a dimensão do que o nosso cérebro é capaz de fazer quando é bem estimulado. O treino cognitivo atua diretamente na criatividade, concentração, foco, raciocínio lógico, segurança, autoestima, perseverança, disciplina e coordenação motora, além de ser um excelente ‘remédio’ para ajudar as pessoas a retomarem o gosto pela vida, com um cérebro mais ativo e respondendo melhor aos estímulos que recebe. Um cérebro mais ativo é, sem dúvida, um cérebro mais feliz”, concluiu o empresário.
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