O curioso caso da Mão Alheia
Imagine a seguinte situação: você está na rua, dirigindo; prepara-se para virar à esquerda, mas sua mão direita trava o volante e força a virada à direita!
Pois essa foi uma das experiências traumáticas vividas por um paciente atípico, cujo caso foi divulgado pela revista online Frontiers in Human Neuroscience. O homem sofria de uma disfunção motora neurológica raríssima, conhecida como Síndrome da Mão Alheia.
Esse tipo de comportamento aflige principalmente as pessoas com epilepsia que passaram por uma neurocirurgia específica para interromper a difusão da atividade epiléptica entre o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito do cérebro.
Esta operação consiste em cortar total ou parcialmente o corpo caloso, a ponte que liga as duas partes do cérebro e permite a transmissão da informação de um lado para o outro. No entanto, o paciente nunca sofreu tal cirurgia por um simples motivo: ele não tem corpo caloso!
De acordo com os cientistas que se dedicaram a estudar o caso, o paciente A. M. é a primeira pessoa atingida pela Síndrome da Mão Alheia que não tinha corpo caloso. Esta anomalia pode não provocar nenhum sintoma de desconexão inter-hemisférica, uma vez que o cérebro pode desenvolver redes compensatórias através de outras pontes entre os hemisférios. Em tais casos, as pessoas podem apresentar um bom funcionamento cognitivo e uma adaptação normal nos âmbitos social, familiar e profissional.
Uma equipe de professores e neurologistas de Marselha, na França, acompanhou A.M. nos seis últimos anos. Este jardineiro sofria de uma epilepsia do lobo temporal controlada há mais de 20 anos graças a um tratamento antiepiléptico.
Porém, em março de 2012, uma infecção causou uma série de crises de epilepsia que afetaram a transferência de informações entre os dois hemisférios do cérebro. Um mês depois, quando as crises já haviam desaparecido, surgiu a Síndrome da Mão Alheia.
Um dia, o homem caminhava em seu bairro quando, de repente, sua mão direita agarrou um poste, obrigando ele a dar várias voltas sem conseguir se soltar! Outro dia, enquanto ele vestia sua calça com a mão esquerda, sua mão direita tentou abaixá-la! Também houve a vez em que sua mão direita ‘roubou’ sua carteira no bolso traseiro de sua calça, provocando uma briga com a mão esquerda que queria recuperar o objeto!
Esses sintomas imprevisíveis e totalmente incontroláveis duraram dois anos, durante os quais os cientistas franceses conduziram exames para comparar a atividade das redes neuronais do paciente com a de 16 pessoas sãs.
Os resultados revelaram a existência de uma disfunção das conexões entre os dois hemisférios, principalmente na rede neuronal que permite ao cérebro selecionar as informações pertinentes com vistas à realização de uma ação, explicando porque A. M. não conseguia inibir os comportamentos inopinados de preensão (ato de segurar ou agarrar) de sua mão direita.
Felizmente, os sintomas foram ficando mais raros a partir de setembro de 2013 e desapareceram totalmente durante os seis meses prévios à avaliação final, em setembro de 2014. Depois disso, as duas mãos de A. M. finalmente concordaram uma com a outra.
Fonte : Ridley B, Beltramone M, Wirsich J, Le Troter A, Tramoni E, Aubert S, Achard S, Ranjeva JP, Guye M, Felician O. Alien Hand, Restless Brain : Salience Network and Interhemispheric Connectivity Disruption Parallel Emergence and Extinction of Diagonistic Dyspraxia, in Frontiers in Human Neuroscience, junho de 2016.
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