‘Economia da longevidade’ é tema de live nesta terça – feira (03)

Publicado em: 29/10/2020 Por Ana Lucia

A penúltima live do projeto Empoderamento 60+, na próxima terça – feira (03) traz uma discussão urgente para o Brasil: Estamos considerando as questões econômicas e de subsistência da população que deve viver mais nas próximas décadas? A resposta para este questionamento foi o que motivou os estudos do jornalista e comentarista dos programas Bem Estar, Encontro e É de Casa, Jorge Felix, professor de empreendedorismo, economia e finanças para a gerontologia na USP (Universidade de São Paulo) na publicação “Economia da longevidade – o envelhecimento populacional muito além da previdência”. Em entrevista ao SUPERA o pesquisador – que estará na live na próxima semana, detalhou alguns pontos:

1.Falamos de dados práticos que mostram este movimento da inversão da pirâmide etária nos últimos anos. O quanto isso preocupa acadêmicos e especialistas, uma vez que não há políticas públicas observando este movimento, especialmente no Brasil?

'Economia da longevidade' é tema de live nesta terça - feira (03) - SUPERA - Ginástica para o Cérebro
Jorge Felix é pesquisador e professor da USP

Primeiro é preciso diferenciar o marco legal das políticas públicas. A nossa legislação em defesa dos direitos da pessoa idosa e da promoção do bem-estar e da dignidade está bem clara na Constituição Federal (Artigos 229 e 230, principalmente) e é complementada por leis específicas, como a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/1994) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), além da portaria de Política Nacional de Saúde do Idoso.

Esta legislação deveria orientar as políticas públicas. Nem sempre isso acontece, ou quase raramente, em razão de escolhas políticas. No entanto, nossa principal política pública para o envelhecimento é o SUS, o Sistema Único de Saúde, mesmo com sua incompletude quanto à implementação. Nesse momento, além de muitos outros problemas sociais, o desfinanciamento do SUS é a minha maior preocupação. A academia e a pesquisa científica, de maneira interdisciplinar, têm ampliado o interesse pelo tema do envelhecimento.

Mas ainda é um tema marginal, sobretudo, em algumas áreas, como a própria Economia. Isso é a prova de que a sociedade brasileira ainda não se convenceu de que está envelhecendo de maneira rápida.

2. Uma das maiores preocupações quando falamos de aumento da longevidade é para a subsistência dessa população. Qual é a sua avaliação sobre o sistema previdenciário brasileiro hoje?

O sistema previdenciário, com a última reforma, foi praticamente fechado para os mais jovens. A novas regras ou impedirão, de fato, a aposentadoria de quem tem hoje 20, 30 ou até 40 anos ou vão deixar aqueles que conseguirem se aposentar futuramente com um benefício muito baixo, impossível de garantir a qualidade de vida na velhice. E por quê? Porque somada a reforma da previdência do governo Bolsonaro com a reforma trabalhista do governo Temer, os trabalhadores brasileiros perderão a proteção social.

O que sobrou? Sobrou a saúde universal e gratuita. Sem o SUS, teremos a tempestade perfeita: integração desqualificada no mercado de trabalho, aposentadoria baixa, quando existe, e maior custo de saúde.

A reforma do sistema previdenciário brasileiro teve como objetivo tornar a previdência privada mais atraente e sedutora, mas isso é uma ilusão. A previdência continuará deficitária por muitas décadas porque a receita será menor e os grandes privilégios foram mantidos.  O problema do planejamento para a velhice não é apenas de educação financeira. É estrutural.

3.As mudanças na previdência feitas no ano passado vão suprir as necessidades do sistema, ou podemos esperar novas reformas previdenciárias nas próximas décadas? Se sim, por quê?

Devemos ter novas reformas. O setor privado não aceita o Brasil ter um sistema de previdência público. Simples assim. O mercado quer administrar esses recursos e lucrar com eles. Os déficits continuarão e novas mudanças serão feitas

4. Estamos em um país onde muitos idosos se mantém trabalhando por não conseguirem se manter com suas aposentadorias ou porque não contribuíram ao longo da vida… o quanto isso é preocupante e por quê?

A grande maioria daqueles que não contribuíram é de trabalhadores que foram explorados no mercado de trabalho ainda marcado por cicatrizes escravocratas. Em minha tese de doutorado “Batalhadores depois dos 60”, entrevistei muitos trabalhadores idosos que foram empregadas domésticas, motoristas, mordomos, babás etc.

O perfil predominante era de pessoas que chegaram do campo à cidade de São Paulo, trabalharam de maneira informal ou foram enganados por famílias ricas, nas décadas de 1960, 1970, que diziam que estavam contribuindo para a previdência desses trabalhadores domésticos, quando, na verdade, não estavam.

Como o Brasil tem uma renda média salarial ainda muito baixa, de pouco mais de 2 mil reais, de novo, por herança da escravidão, essas pessoas recebem uma aposentadoria muito baixa, quando a conseguem. Tudo isso leva a um cenário preocupante: as reformas enfraqueceram a capacidade de o trabalhador brasileiro poupar para a velhice ou ser protegido pela seguridade social. 

O desafio de um mundo com idosos cada vez mais ativos

5. Qual é o conceito de economia da longevidade? Quais são os principais pontos?

Economia da longevidade é uma política industrial. Ou seja, a partir de uma nova cesta de consumo das famílias da sociedade envelhecida, com mais idosos e menos crianças, portanto, com outras necessidades, o país estimula, por meio de política industrial, setores emergentes. Produtos e serviços que farão parte dessa nova cesta.

São produtos de vários setores, alimentos, mobiliário, saúde, tecnologia, vestuário, farmacêutico, etc. Todos os setores. A economia da longevidade atravessa todos eles. Os próprios produtos do SUPERA fazem parte disso. As famílias compravam isso antes? Não. A longevidade é que abre esse mercado. O relevante é que esses produtos, com alto valor tecnológico, remodelam o comércio mundial, resultando no que chamei no meu segundo livro de “geopolítica do envelhecimento”.

'Economia da longevidade' é tema de live nesta terça - feira (03) - SUPERA - Ginástica para o Cérebro
Trabalho e subsistência depois dos 60 anos motiva estudos acadêmicos no Brasil

6. Quando falamos do aumento da população idosa, um dos pontos de maior atenção é o atendimento de saúde dessa população. O SUS está preparado para atender essa demanda? Como o senhor enxerga esse atendimento na rede pública nas próximas décadas?

O SUS está sob ameaça do mercado privado internacional dentro dessa geopolítica do envelhecimento. O capital internacional aportado na área da saúde quer explorar o mercado brasileiro. A saúde, como dizia Foucault, foi alçada à condição de “grande deusa”, seja pelas empresas preocupadas com o gasto de saúde com os empregados, seja das pessoas dentro da linha do antienvelhecimento, também motivado pela necessidade de se manter no mercado de trabalho, seja pelo mercado que almeja aferir lucro da maior procura por saúde na sociedade envelhecida. O SUS ano passado perdeu 9 bilhões de reais em seu orçamento.

No ano que vem, em plena pandemia, deve perder mais de 30 bilhões. Isso não é política de um país em envelhecimento acelerado. A parte de pesquisa do SUS, que deveria ser estratégica dentro da geopolítica do envelhecimento, perdeu 27% do orçamento em 2019.

Enfim, tudo está sendo feito para debilitar o SUS e talvez tenham muito sucesso nessa empreitada. Se for assim, a capacidade de poupança para a velhice das futuras gerações vai cair muito porque o SUS tem uma importante função de regulador de preço em todo o mercado de saúde. As pessoas pagarão muito caro pela saúde ou ficarão sem atendimento, como ocorre com quase 30 milhões de norte-americanos.

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Capacidade de poupar x situação econômica do país

7.  73% dos brasileiros não têm qualquer capacidade de poupar. Estamos assistindo uma mudança nesta mentalidade entre os jovens, mas ainda é um começo o que deve levar décadas para refletir na sociedade. Como essa ausência de poupança afeta o envelhecimento na prática hoje no Brasil?

O brasileiro não poupa não por cultura ou falta de educação financeira. Não poupa porque não tem dinheiro. Poupar para a velhice não é ter um tantinho de dinheiro guardado, não, é um planejamento dentro do conceito de Seguridade Social. Isso está ficando muito difícil para todos os jovens do planeta, sobretudo nos países pobres.  

Onde a ‘economia da longevidade’ já está dando certo?

8. Assistimos países de primeiro mundo criando políticas públicas considerando as duas ou até três décadas a frente. Quais exemplos positivos temos neste sentido de países que fizeram um bom trabalho no passado considerando suas gerações futuras?

Até agora quem consegui fazer algo mais satisfatório foram os países nórdicos, por questões históricas e por escolhas políticas, qual seja, focar desde sempre no combate à desigualdade social. Na Europa continental a situação é razoável, mas muito distante de ser boa. A França passa por uma crise de cuidados de longa duração para idosos muito grave.

A Itália é um caos. A Alemanha é melhor. Tudo isso é resultado de escolhas dos países dentro dos modelos de Estado de Bem Estar Social, como conto no livro. Os Estados Unidos, um vexame. Se o país mais rico do mundo não consegue garantir saúde para todos, não adianta nada ser rico. Mas, desde a crise de 2008, quase todos os países passaram a adotar alguma estratégia de economia da longevidade e podem, no futuro, liderar um comércio exterior voltado a outros produtos e serviços.

10. Na sua opinião, quais principais pontos devem ser observados / melhorados no Brasil hoje quando falamos de economia da longevidade, considerando as próximas gerações e o futuro delas?

Temos que construir, via política industrial, um complexo industrial da saúde e do cuidado. Na saúde, nossa balança comercial já é um tremendo déficit e isso encarece o SUS, a saúde privada, os planos de saúde e… reduz os salários.

Esse ponto a população não tem nenhuma percepção. Sem uma economia da longevidade, os cuidados de longa duração ficarão tão caros como a saúde e viveremos a mesma crise, muito grave, que os países ricos estão vivendo. É bom que se diga que eles não conseguiram equacionar o desafio da velhice, embora tenham mais condições, como eu disse, e é isso que acirra a geopolítica do envelhecimento. O que está em jogo é quem vai pagar pelo envelhecimento de quem em todo o planeta.

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