Nosso cérebro, assim como nosso corpo, precisa ser estimulado ao longo da vida para se manter ativo. Nesta entrevista, explica-se de forma simples a importância de trabalhar o cérebro com os estímulos certos ao longo da vida. As questões foram respondidas pela Profª Ms Eva Bettine, gerontóloga, doutoranda em Ciências pela USP e Presidente da Associação Brasileira de Gerontologia, junto à Profª Dra. Thaís Bento, Docente da Graduação em Gerontologia da USP e Pesquisadora e Colaboradora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da USP. Acompanhe:
- O que a ciência entende como estimulação cognitiva?
Cientificamente se define a estimulação cognitiva como o ato de exercitar os processos que compõem a cognição: percepção (para isso se utiliza os 5 sentidos), atenção, memória, raciocínio, pensamento lógico e linguagem.
- Como nosso cérebro recebe esses estímulos ao longo das diferentes fases da vida? (infância, juventude, fase adulta e terceira idade)
É um estudo difícil de ser realizado, pois o correto seria que fosse realizado com o mesmo indivíduo ao longo do tempo, pois o cérebro de cada pessoa é único e ele é “moldado” de acordo com as experiências ao longo da vida. Mas podemos imaginar que em virtude da plasticidade neuronal, considerando as perdas de neurônios e a neurogênese (nascimento de novos neurônios), a pessoa terá mais rapidez nessa plasticidade em idades mais jovens, mas a capacidade se mantém e o acompanha até o fim da vida. O importante é lembrar que sempre existe uma resposta a um estímulo.
- Por que é necessária uma atenção especial nestes estímulos quando falamos dos idosos?
Podemos associar com a velocidade de processamento que pode ser reduzida nos mais longevos, pois é uma das características da nossa cognição que se altera ao longo do curso de vida, outra característica é a menor facilidade para adquirir novos aprendizados. Porém, a pessoa consegue responder, apenas que o esforço será maior.
- O Alzheimer é degenerativo e sem reversão. No entanto, a estimulação cognitiva pode retardar o aparecimento de sintomas nas pessoas que tem propensão à doença? Como isso acontece?
Atualmente os estudiosos têm insistido nas atitudes de prevenção, considerando que ainda não há cura para a doença. Uma delas é estimular as funções cognitivas da pessoa no começo da demência, assim ele conseguirá se permanecer mais tempo na fase inicial da doença e conseguirá por mais tempo manter as suas atividades sem muito prejuízo. Isso acontece porque a estimulação ajudará a criar novas conexões entre os neurônios compensando alguns déficits por conta da plasticidade neuronal da qual falei anteriormente. Vale lembrar que as atitudes de prevenção incluem outras mudanças de hábito pois atuam em conjunto.
- Testes, cálculos, jogos e estímulos como os que são aplicados pelo SUPERA são positivos neste sentido?
Se as estimulações são bem diversificadas – ou seja, atuam em vários domínios cognitivos da pessoa ‑ são muito positivos sim. O que não tem muito efeito é a acomodação em um nível de dificuldade ou mesmo em uma mesma estimulação, por exemplo, só cálculos ou só linguagem. Se o nível de dificuldade for acompanhando a capacidade de resposta e a diversidade estimular muitas funções, é muito positivo sim.
- Qual é a frequência ideal para que nosso cérebro realize estímulos que auxiliem na saúde do cérebro ao longo de toda a vida?
Em geral se aplica a estimulação semanalmente, mas se a pessoa tem disponibilidade e responde bem, duas vezes por semana, com um espaçamento entre os dias também é positivo. No caso de ser semanal é importante que a pessoa tenha uma atividade para ser cumprida durante os demais dias da semana para manter a mente ativa. É importante ressaltar que podemos começar a estimulação cognitiva em qualquer idade, claro. Mas o ideal é estimular o cérebro com desafios constantes desde os primeiros anos da vida e também ao longo de todas as idades. Pensemos na estimulação como um alimento para a saúde do nosso cérebro, não deixem isso para depois.
- O que é a reserva cognitiva?
Quando pensamos no nome Reserva Cognitiva, logo nos remetemos ao próprio nome reserva, quantidade armazenada, estocada. Entretanto o que é importante sabermos é que este conceito vem ganhando muita força nos últimos anos, pois refere-se à uma reserva individual de cada pessoa, no processamento de suas habilidades mentais e no enfrentamento de doenças neurodegenerativas.
Esta particularidade de termos um armazenamento de processamentos das habilidades mentais, são resultantes dos estímulos que realizamos continuamente ao longo da vida desde quando nascemos até quando envelhecemos, quanto mais estimulamos o cérebro, com exercícios, e conhecimentos, assim como atingirmos um elevado nível de educação, uma ocupação profissional desafiadora e uma vida socialmente ativa; resultaremos em uma ação neuroprotetora, que fortalecerá o nosso desempenho intelectual, fazendo como que criemos uma reserva cognitiva.
- É possível aumentar a capacidade da reserva cognitiva? Como?
A reserva cognitiva existe para auxiliar em nossa sobrevivência, nos deixando mais rápidos; para nos proteger contra o declínio das habilidades mentais relacionados à idade e na diminuição do risco de desenvolver Doença de Alzheimer.
Ou seja, quanto melhor for o estilo de vida do individuo, melhor será a sua reserva cognitiva em outras palavras uma “poupança cognitiva”, que é acionada quando necessário para suprir algum déficit do funcionamento cerebral, ou um momento de proteção em relação à possíveis situações de risco para a saúde do cérebro.
Por isso a realização de exercícios físicos, a interação social, os exercícios intelectuais (chamados popularmente de exercícios de ginástica cerebral), são de fundamental importância para nos auxiliar na capacidade de ter uma boa reserva cognitiva. E como dito anteriormente, por meio da reserva cognitiva é que nos protegemos do declínio das habilidades mentais relacionados à idade e ao possível aparecimento de doenças neurodegenerativas.
Só que não são apenas os anos de escolaridade que fortalecem a reserva cognitiva, que é acumulada ao longo da vida. Muitos indivíduos usam o intelecto, a criatividade e a capacidade de raciocínio sem que isso seja isoladamente adquirido pelos níveis cursados de escolaridade. A escolaridade é apenas um dos estímulos. Ou seja, o importante é manter o cérebro estimulado durante a vida inteira.
O ideal é fugir da rotina, usar estratégias que desafiam o cérebro e ter engajamento em atividades diversificadas. Cuidar da saúde do cérebro, com o aprendizado de novas informações, e também com os desafios mentais como a neuróbica, como: um músico, por exemplo, deve ler partituras diferentes das que está habituado; uma cozinheira, fazer sempre novos pratos, escrever com a mão não dominante, no caso um canhoto, escrever, com a mão direita, e um destro escrever com a mão esquerda, colocarmos o relógio em mão diferente, mudarmos um caminho rotineiro.
De modo geral se quer aumentar sua reserva cognitiva cuide do seu estilo de vida, mantendo hábitos saudáveis, faça ginástica cerebral e use estratégias que possam auxiliar a melhorar o desempenho de memória e a diminuir a frequência de esquecimentos no cotidiano.
- É possível estimular as habilidades mentais de quem tem a Doença de Alzheimer? Como fazer?
Quando um indivíduo recebe o diagnóstico de doença de Alzheimer, é necessário realizar os tratamentos disponíveis, para poder auxiliá-lo a ter uma melhor qualidade de vida assim como para estabilizar o avanço dos estágios da doença.
Os tratamentos atuais da doença de Alzheimer são divididos em dois tipos: tratamentos farmacológicos e tratamentos não-farmacológicos. Dentro do grupo dos tratamentos não-farmacológicos, temos a estimulação cognitiva, uma terapia que visa estimular as habilidades cognitivas do individuo e fornecer pistas para que ele consiga se orientar para a realidade, e para resgatar as suas lembranças vividas.
Sugere-se a realização de atividades que reflitam em significados para os indivíduos portadores da doença de Alzheimer, então é sempre importante inserir atividades, que possam associar às preferências e aspectos culturais que o indivíduo apresentava antes da doença.
Também é importante valorizar a sua história de vida mostrando fotografias de eventos marcantes para o indivíduo (casamento, aniversários, formatura, viagens realizadas entre outros); ouvindo músicas de seus artistas preferidos, apresentando imagens e nomes dos novos membros da família, são exemplos de atividades que irão resgatar a história de vida, gerando uma sensação de pertencimento e de orientação quanto a quem é enquanto indivíduo.
É importante destacar, que o diagnóstico da Doença de Alzheimer, não é sinônimo do final da vida do indivíduo, ele continua sendo quem ele é, deve ser valorizado, porém está em um tratamento de saúde, e precisa ter a sua rotina preenchida com atividades que serão importantes, para mantê-lo o mais tempo possível estabilizado em relação ao quadro da doença, assim como amenizar a sobrecarga emocional e o estresse que os cuidadores vivenciam por causa da evolução da doença.
Questões respondidas por:
Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva, docente do curso de Graduação em Gerontologia da Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP. Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS). Membro da Diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer-ABRAz, e da Diretoria da Associação Brasileira de Gerontologia- ABG.
Eva Bettine, gerontóloga, mestra em Filosofia na modalidade saúde e educação e doutoranda em Ciências, pela USP. Presidente da Associação Brasileira de Gerontologia, membro da ABRAz/SP, pesquisadora em ritmos biológicos, em especial o ciclo vigílio/sono e coordenadora da pós-graduação em gerontologia da FAPSS, docente da universidade da 3ª. idade USP 60+, docente convidada da graduação em gerontologia da USP.