Na corrida para entender o novo coronavírus e suas consequências para os seres humanos, cientistas de todo o mundo caminham cada vez mais para uma comprovação: o vírus pode afetar regiões importantes do cérebro e a reserva cognitiva dos pacientes acometidos pela doença pode ser decisiva nesta resposta.
Com a pandemia ainda em andamento, o alerta dos médicos e cientistas vem, sobretudo, da observação diária de manifestações neurológicas em pacientes acometidos por formas graves da doença, que vão desde comprometimentos motores, respiratórios, e, mais recentemente, comprometimentos neurológicos que, em alguns casos, perduram mesmo após o período ápice da doença.
Em Jacareí (SP), a bancária Joseane Aparecida Silva Baião, de 35 anos, teve COVID e, no décimo dia após a confirmação da doença, sentiu uma fraqueza excessiva nas pernas e braços, seguido de um formigamento em todo o corpo. O diagnóstico: neuropatia periférica – quando os nervos do cérebro não funcionam corretamente, uma consequência da COVID-19.
“Estou completando 2 meses desde que tive a doença. Hoje me sinto melhor, me locomovo melhor, mas ainda tenho formigamentos e dores. No período mais crítico da doença, não andava e nem virava o pescoço”, lembra.
A COVID-19 no cérebro
Segundo o neurointensivista Marco Paulo Nanci – que atua em Taubaté (SP) e em São Paulo (SP), as percepções das consequências do vírus no cérebro são recentes, porém já apontam para possíveis lesões no sistema nervoso.
Os casos de pacientes graves que vão para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) incluem delírios, confusão e alteração comportamental, rebaixamento do nível de consciência, dificuldade para interagir com o meio e com as pessoas, ausência de processamento cerebral adequado entre outras manifestações que sinalizam lesões no sistema nervoso, segundo o médico.
“O vírus parece ter uma predileção por determinadas áreas do cérebro que são as áreas da região basal, provavelmente pela forma de entrada dele no corpo, pela região bulbofatório e com isso vai afetando algumas regiões na base do cérebro que é a região do hipocampo, onde é feito o processamento primário da memória, e por isso que estamos tendo essas manifestações iniciais da doença no cérebro”, disse.
Como a reserva cognitiva ajuda na resposta à COVID-19
Criar reserva cognitiva é fazer com que as conexões entre os neurônios sejam cada vez maiores, aproveitando assim o potencial de funcionamento do sistema nervoso, para gerar ao longo da vida uma reserva cognitiva.
Isso vale não apenas para o novo coronavírus, mas também para casos demenciais: uma vez acometido por doenças mais graves, o paciente que tem uma reserva cognitiva maior responde melhor as tentativas de recuperação de forma geral.
“Nos quadros demenciais o paciente que tem mais reserva, mais bagagem por estímulos realizados ao longo da vida, terá menor manifestação e menos propensão a desenvolver a doença. O que muito provavelmente acontece com o coronavírus é a mesma coisa: a pessoa que tem um maior desenvolvimento da parte intelectual, a pessoa que deixou o cérebro mais preparado, o cérebro está mais treinado, vai provavelmente ter menos comprometimento cognitivo em caso de uma possível infecção pelo coronavírus no sistema nervoso”, avaliou o neuro intensivista Marco Paulo Nanci.
A aquisição da reserva cognitiva pode ser comparada ainda a uma poupança, um estímulo que deve ser feito ao longo de toda a vida, mas sobretudo na idade adulta.
“Todo esforço para manter o cérebro ativo e funcionando em estado de excelência proporciona conexões entre os neurônios e, em caso de lesão no sistema nervoso ele estará preparado para refazer rapidamente as conexões que foram perdidas, mas volto a dizer: esse preparo do cérebro vai funcionar para levar a um melhor enfrentamento por parte do cérebro, não só no caso de infecção por corona vírus, mas, também em quadros demenciais”, concluiu.
Estudos iniciais apontam para prejuízos no cérebro trazidos pela COVID-19
A primeira suspeita de que o vírus prejudicava partes importantes do cérebro veio ainda entre os primeiros casos da doença importados pelo mundo.
No início de março, pacientes com COVID-19 que estavam internados na unidade de terapia intensiva (UTI) no Hospital Universitário de Estrasburgo, no nordeste da França, apresentaram, além dos sintomas respiratórios e motores, algumas dificuldades cognitivas e até confusão mental.
A observação sobre o comportamento do grupo internado ainda no início da pandemia foi publicada em um estudo no periódico New England Journal of Medicine.
Desgaste do cérebro
Em outro estudo mais recente, médicos e cientistas do Imperial College, no Reino Unido, apontaram que a Covid-19 pode causar um declínio das funções cerebrais em pacientes que tiveram a doença.
Segundo o estudo, o cérebro pode envelhecer até 10 anos por conta do impacto do vírus na estrutura e no funcionamento do órgão
“Há evidências de que COVID-19 pode causar alterações de saúde a longo prazo após sintomas agudos, denominado ‘COVID longo… a redução da pontuação global para o subgrupo hospitalizado com ventilador foi equivalente ao declínio médio de 10 anos no desempenho global entre as idades de 20 a 70 anos neste conjunto de dados”, afirmaram os pesquisadores. Em fase inicial, os estudos ainda precisam de confirmação da comunidade científica.
De forma geral, segundo o médico Marco Paulo Nanci, as manifestações neurológicas têm acometido com maior frequência pessoas com mais idade, que já se encontram em um processo de envelhecimento do cérebro.
O fato de muitos desses pacientes não terem reserva cognitiva quando são acometidos pelo corona vírus, segundo o médico, é um fator determinante para que a doença encontre espaço para agravar o quadro clínico destes pacientes
“Se em caso de doença o paciente não tiver reserva cognitiva o suficiente para enfrentar aquele momento, a tendência é que os efeitos e as manifestações clínicas do COVID sejam mais intensas, então, quanto maior é a reserva cognitiva do indivíduo, menor serão as manifestações clinicas e um possível comprometimento do sistema nervoso neste paciente acometido pelo corona vírus”, disse.
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