A personalidade do idoso pode influenciar em sua cognição de diversas maneiras. Continue a leitura e descubra como.
Mas afinal, o que é personalidade?
A princípio, a personalidade pode ser definida como uma variação única de um indivíduo no projeto evolutivo geral da natureza humana, expressa como um padrão em desenvolvimento de traços disposicionais, adaptações características e histórias de vida integrativas situadas de forma complexa e diferenciada na cultura (DSM-5, 2014).
Atualmente, uma das formas, que as neurociências têm de estudar a personalidade é através do modelo científico denominado Big Five, baseado na observação de que cinco fatores amplos e que normalmente aparecem em análises de qualquer conjunto suficientemente amplo de descritores de personalidade de uma determinada população, incluindo adjetivos selecionados de dicionários e escalas de questionários de personalidade existentes.
Nesse sentido, as cinco grandes dimensões comumente estudadas são: extroversão, neuroticismo, agradabilidade ou amabilidade, conscienciosidade e abertura/intelecto.
Mas o que significam estas dimensões?
Dimensão extroversão
As pessoas que estão nesta dimensão, apresentam características como excitabilidade, simpatia, eloquência, assertividade e altos níveis de expressividade emocional são características da extroversão.
As pessoas com altos níveis de extroversão prosperam nas relações sociais. Ou seja, elas sentem-se revigoradas e satisfeitas quando estão na companhia de outras pessoas.
Enquanto pessoas com baixos níveis de extroversão (ou introversão) são mais contidas em situações sociais e têm menos energia para essas situações.
Dimensão neuroticismo
São pessoas que apresentam sintomas de tristeza, inconstância e instabilidade emocional.
Assim como mudanças de humor, ansiedade, impaciência e baixo-astral, são as características comuns naquelas pessoas com alta pontuação neste atributo. Em contrapartida, aquelas com baixa pontuação neste atributo são mais estáveis e resistentes emocionalmente.
Dimensão agradabilidade ou amabilidade
Pessoas com características nesta dimensão, apresentam confiança, altruísmo, bondade, afeição e outros comportamentos pró-sociais são exemplos dos traços encontrados nesta dimensão de personalidade.
As pessoas com alto nível de agradabilidade tendem a ser mais cooperativas, ao passo que aquelas com baixo nível de agradabilidade tendem a ser mais competitivas e, às vezes, enganosas.
Dimensão conscienciosidade
Altos níveis de raciocínio, bom controle dos impulsos e comportamentos voltados para as metas são características comuns desta dimensão.
Além disso, pessoas altamente conscienciosas geralmente são bem organizadas e detalhistas. Elas pensam à frente, consideram como as suas ações influenciam os outros e monitoram prazos.
Dimensão abertura/intelecto
São pessoas que pontuam bem neste atributo também têm um conjunto diverso de interesses. Elas são curiosas em relação ao mundo e às outras pessoas, e estão prontas para aprender coisas novas e para participar em novas atividades.
Pessoas com um alto nível deste traço de personalidade são mais ousadas e inventivas. Enquanto pessoas com baixa pontuação neste traço tendem a ser mais tradicionais e podem ter dificuldades para pensar de maneira abstrata.
Mas o que os estudos dizem sobre o desempenho cognitivo e possíveis riscos de declínio conforme as características de personalidade do idoso?
Nesse contexto, um estudo realizado pela psiquiatra e neurologista Silvia Merlin em 2021, pesquisou sobre a relação entre características de personalidade e o desempenho em testes cognitivos de pessoas idosas.
A autora destacou em seu estudo, que a acentuação de características de traços de personalidade como neuroticismo, excentricidade, diminuição da extroversão e alterações na aceitação, não estão associados ao envelhecimento em si, mas sim a um funcionamento inadequado e disfuncional frente às atividades de vida diária, destacando que estes traços de personalidade, poderiam estar associados a um pior funcionamento executivo, que interferiria inclusive no gerenciamento de tarefas cognitivas.
Nesse sentido, mudanças de personalidade do idoso e como estes indivíduos lidam com as circunstâncias no cotidiano, podem afetar o risco de declínio cognitivo por meio, por exemplo, da resposta ao estresse, comportamentos de saúde e atividades cognitivamente estimulantes.
Especificamente, fortes tendências à emotividade negativa (conforme captadas por construtos como o neuroticismo) podem, ao longo do tempo, ter efeitos deletérios sobre aspectos da estrutura e função do cérebro.
Por outro lado, traços característicos de positividade (por exemplo, otimismo, abertura) potencialmente protegem contra o declínio cognitivo de maneira indireta, facilitando o enfrentamento eficaz e o envolvimento com a vida.
Pode-se argumentar, portanto, que a previsão de mudança cognitiva ao longo da idade se beneficiaria da inclusão de traços de personalidade como preditores de níveis distais de desempenho cognitivo.
Todavia, é válido salientar que as singularidades na personalidade do idoso e habilidades cognitivas de cada pessoa, podem ser moldados e estimulados para além de fatores biológicos, mas pela construção sociocultural e mudanças comportamentais.
Dessa forma, quanto maior for a conscientização e aplicabilidade de um estilo de vida saudável e bem-estar psicológico, maior a preservação da cognição, diminuindo a probabilidade do desenvolvimento de declínio cognitivo e quadros demenciais.
Assinam este artigo:
Cássia Elisa Rossetto Verga
Estudante de Graduação do curso de bacharelado em Gerontologia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Atualmente faz estágio na área de pesquisa em treino cognitivo de longa duração pelo Instituto SUPERA – Ginástica para o Cérebro. Tem interesse na área de treino e estimulação cognitiva para idosos, com enfoque em neurologia cognitiva. É membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Já foi bolsista PUB da Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP, atual USP60 + nas oficinas de música e letramento digital. Participou como assessora de Projetos e Recursos Humanos na Empresa Geronto Júnior entre os anos de 2019 a 2020.
Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva
Gerontóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera.
Referências consultadas
DSM-V – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DMS-V. 5º ed. Artemed. 2014.
MERLIN, Silvia Stahl. Características de personalidade e alterações cognitivas de idosos no acompanhamento longitudinal. 2021. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.