Você sabia que os traços de personalidade podem influenciar o desenvolvimento ou a proteção contra as demências?
A demência, como a doença de Alzheimer, é uma condição progressiva que afeta as funções cognitivas e o comportamento, comprometendo significativamente a funcionalidade e a qualidade de vida das pessoas afetadas, assim como de suas famílias e cuidadores. Fatores genéticos e ambientais são amplamente reconhecidos como determinantes no risco de desenvolvimento das demências, tanto na comunidade científica quanto na sociedade. No entanto, pesquisas recentes indicam que os traços de personalidade também podem desempenhar um papel fundamental, funcionando como um fator protetor e impactando o curso e a gravidade da doença.
Os traços de personalidade referem-se a padrões duradouros de pensamentos, sentimentos e comportamentos que caracterizam um indivíduo. São descritos alguns modelos de personalidade, destacando-se o modelo dos Cinco Grandes Fatores (Big Five). São compreendidos 5 traços de personalidade neste modelo, sendo eles: neuroticismo, extroversão, abertura à experiência, agradabilidade e conscienciosidade.
Veja a seguir as principais características de cada um:
- Neuroticismo: refere-se à tendência a experimentar emoções negativas, como ansiedade e raiva, portanto inclui características de maior sofrimento psicológico;
- Extroversão: está relacionada à energia social e ao desejo de interação. Pessoas extrovertidas buscam ambientes dinâmicos e gostam de estar na companhia de outras pessoas;
- Abertura à experiência: refere-se à curiosidade e à disposição para explorar novas ideias e atividades. Indivíduos com alta abertura são criativos e buscam mudanças, enquanto os de baixa abertura preferem a estabilidade;
- Agradabilidade/Socialização: Indivíduos agradáveis são empáticos e cooperativos, valorizando a harmonia nas relações;
- Conscienciosidade/Realização: Relacionado à organização, disciplina e foco em objetivos. Pessoas conscienciosas são detalhistas e comprometidas com suas metas.
Nessa perspectiva, uma pesquisa realizada por Estrada e colaboradores, publicada neste ano de 2024, analisou a associação entre as Big Five e dados epidemiológicos das demências. Os pesquisadores analisaram o banco de dados do Estudo Longitudinal da Saúde do Idoso Brasileiro (ELSI-Brasil), considerado como o maior estudo de longa duração do país. Após a realização de análises estatísticas, os pesquisadores identificaram que o otimismo foi considerado o único psicoindicador de proteção das demências. Segundo os pesquisadores, o otimismo associa-se ao baixo neuroticismo e à conscienciosidade.
Nesse sentido, conforme descritos pelos pesquisadores Estrada e colaboradores (2024), pessoas com maior índice de neuroticismo tendem a apresentar maior reatividade ao estresse, que ao longo do tempo, influencia o agravamento de declínio cognitivo e o surgimento de doenças neurodegenerativas e psicopatologias. Por outro lado, o maior nível de conscienciosidade, somado ao maior nível de abertura, são considerados fatores de prevenção contra o declínio cognitivo e as demências. Pessoas com esses dois traços de personalidade estão mais propensas a adotarem estratégias de manutenção e mudanças positivas para melhores condições de saúde.
O otimismo, como um fator protetor, pode ser desenvolvido e moldado por meio de intervenções psicossociais. Programas que incentivam o desenvolvimento de atitudes otimistas podem gerar benefícios para a saúde mental e cognitiva, especialmente em idosos. Assim, estratégias focadas no fortalecimento do otimismo podem contribuir para a promoção do bem-estar e para a prevenção de doenças neurodegenerativas ao longo da vida.
Referências:
ESTRADA, L. B. D.; BORELLI, W. V.; DURGANTE, H. B. Personality traits as protective factors of dementia development. Dementia & Neuropsychologia, v. 18, p. e20240135, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-5764-DN-2024-0135. Acesso em: 12 nov. 2024
GOMES, C. M. A.. A estrutura fatorial do inventário de características da personalidade. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 29, n. 2, p. 209–220, abr. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-166X2012000200007. Acesso em: 12 nov. 2024
Assinam esse texto:
Profª Msc. Gabriela dos Santos – Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Gerontologia pela Universidade de São Paulo (USP), Graduada em Gerontologia pela USP, com Extensão pela Universidad Estatal Del Valle de Toluca. Membro do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da Universidade de São Paulo.
Profa. Dra. Thais Bento Lima da Silva – Gerontóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra e Doutora em Ciências com ênfase em Neurologia Cognitiva e do Comportamento, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Docente do curso de Bacharelado e de Pós-Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH- USP), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É parceira científica do Método Supera. Coordenadora do Grupo de Estudos em Treino Cognitivo da Universidade de São Paulo.