Além dos prejuízos nas relações pessoais, perda de produtividade no trabalho ou estudo e diminuição dos cuidados com a saúde física e com a higiene pessoal, neurocientista destaca os riscos patológicos ao cérebro.
As polêmicas em torno dos jogos de estilo “bets”, “tigrinho” e seus derivados incluem grandes e nano influencers postando seus ganhos apostando uma quantidade pequena de dinheiro, o que envolve não só fatores emocionais, mas financeiros também. A lógica é a seguinte: apostou 20,00 e ganhou 25,00 – neste momento há uma descarga de dopamina e vem uma vontade de ganhar mais – não satisfeito, apostou os 25,00 e perdeu, e apostou mais 20 para recuperar, depois de investir mais dinheiro para recuperar os iniciais 25, ele ganha 30 e ainda acha que saiu no lucro, pois o nosso cérebro tem o viés de lembrar da memória mais recente.
Segundo a neurocientista Lívia Ciacci, parceira do SUPERA – Ginástica para o Cérebro, “nessa ânsia de recuperar o investimento e ganhar mais, o jogador começa a ter uma preocupação excessiva, já pensando em jogar novamente, criando estratégias para ganhar mais dinheiro, e desenvolve uma necessidade de ter mais e mais, apostando alto até alcançar a excitação desejada. Esse retorno ao jogo frequente após perder dinheiro é chamado de ‘perseguir as perdas’, e traz sérias consequências à vida financeira, até começar a mentir para os familiares, cônjuge e amigos, para esconder o dinheiro e tempo gasto com os jogos, podendo sentir ansiedade e irritabilidade quando fica algum tempo sem jogar”.
Ela explica ainda que biologicamente, além de afetar a saúde do cérebro, o vício em jogos pode afetar também a visão pelo tempo de exposição em telas; prejudica a postura corporal, podendo trazer consequências futuras como dores e problemas na coluna; além do sedentarismo; maus hábitos alimentares e negligência à saúde, que contribui para obesidade; doenças cardiovasculares e musculoesqueléticas.
Como podemos distinguir entre o uso recreativo e o vício em jogos online?
“Em jogos online as cores, barras de progresso e estrelinhas envolvem a regra padrão: quanto menos tempo tiver entre o esforço e a recompensa, mais viciante ele será”, afirma Lívia. E ela alerta que a compulsão pode levar as pessoas a perderem o prazer em coisas simples da vida, deixando de lado a rotina e prazeres para dedicar seu tempo ao jogo. “E no ímpeto de ter mais dinheiro para apostar, ou comprar itens de jogo, podem vir a deixar de pagar contas essenciais. Esses são sinais claros que podem diagnosticar um vício no jogo. Verifique o tempo dedicado, já que o uso saudável costuma ser, em média, 12 horas semanais conectados. Já os dependentes passam, em média, 40 horas semanais (que é praticamente o tempo que passariam trabalhando).”
Lívia destaca os riscos patológicos ao cérebro, que envolvem o reforço intermitente, ou seja, estes usam uma recompensa irregular, onde ganhos e perdas ocorrem de maneira imprevisível, podendo tornar o comportamento de jogar extremamente viciante ao ativar os circuitos do sistema de recompensa. “Mesmo quando a pessoa perde, mais prazerosa é a possível vitória e, por isso, ela reforça o comportamento de continuar jogando, levando à escalada do comportamento de jogo. Cada vez mais ela irá se esforçar para ganhar mais partidas, ou apostar mais dinheiro em quantidades altas para ganhar mais ou recuperar os valores. Com todo esse desequilíbrio, rotinas cada vez menos saudáveis, relações estremecidas, o cérebro responderá com estresse. A tensão fará com que os níveis de cortisol sejam mais altos, podendo culminar em ansiedade e até mesmo depressão. O jogo compulsivo pode ir além, e levar a problemas sérios de memória e tomada de decisões, prejudicando a capacidade de planejar e realizar tarefas diárias simples. Além de prejudicar o sono, seja com preocupações excessivas ou mesmo passar madrugadas jogando, causando uma grande alteração das funções cognitivas e emocionais pelo padrão de sono irregular”, explica.
Quais características podem aumentar a vulnerabilidade de uma pessoa ao vício em jogos online?
- Situação de vulnerabilidade social.
- A influência social, tendo amigos ou familiares que jogam e incentivam a pessoa a começar.
- As estratégias de marketing agressivas, onde há uma grande divulgação de plataformas por influencers.
- Algumas pessoas ainda podem ser biologicamente mais vulneráveis ao vício, por variações na química cerebral, especialmente nos sistemas de dopamina e serotonina, como as pessoas com TDAH, por exemplo.
- Jovens podem ser suscetíveis a se viciar pela menor maturidade do sistema de controle inibitório (autocontrole), que até os 23 anos ainda não está totalmente pronto.
Prevenção
Lívia recomenda a prevenção desse vício de maneira multidisciplinar. “O ideal seria que tivéssemos estratégias regulatórias, como limitar a publicidade de jogos de azar, especialmente nas redes sociais e locais que são expostos ao público jovem e exigir que os anúncios tenham um alerta de risco de vício e onde procurar ajuda para tratá-lo. Além disso, implementar verificações funcionais e rigorosas de idade para garantir que menores de idade não acessem, além de regular limites diários de tempo para ser gasto nos jogos.”
Para ela, o tratamento pode ser abordado de várias maneiras, envolvendo uma combinação de estratégias, com Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que auxilia o paciente a identificar e mudar pensamentos e comportamentos viciosos, buscando fazer aceitar o vício e desenvolver hábitos saudáveis comportamentais. “E se necessário, buscar ajuda com psiquiatras para uma abordagem que possa envolver algum medicamento pertinente para o tratamento da ansiedade e depressão causada pelo vício. Todo o tratamento deve ser personalizado, levando em consideração a gravidade do vício, a saúde mental do paciente, as circunstâncias individuais, por isso, uma equipe multidisciplinar é fundamental para o tratamento clínico ser eficaz e abrangente”, conclui.
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