“Até pouco tempo, os neurocientistas acreditavam que, uma vez completado seu desenvolvimento, o cérebro era incapaz de mudar, particularmente em relação às células nervosas, ou neurônios. Aceitava-se o dogma segundo o qual os neurônios não podiam se auto-reproduzir ou sofrer mudanças significativas quanto às suas estruturas de conexão com os outros neurônios.
As pesquisas dos últimos 10 anos têm revelado um quadro inteiramente diferente. Em resposta aos jogos, estimulações e experiências, o cérebro exibe o crescimento de conexões neuronais.
Embora os pioneiros da pesquisa em comportamento biológico, tais como Donald Hebb, do Canadá e Jersy Konorski, da Polônia, acreditassem que a memória implicava em mudanças estruturais nos circuitos neuronais, ainda não se dispunha de evidências experimentais que comprovassem essa noção.
Em experiências com ratos, a neuroanatomista americana Dra. Marian Diamond foi capaz de demonstrar que os animais que foram criados em ambiente enriquecedor – uma gaiola cheia de brinquedos e dispositivos tais como bolas, rodas, escadas, rampas, etc.- desenvolviam um córtex cerebral significativamente mais espesso do que aqueles criados em um ambiente mais limitado, sem brinquedos ou vivendo isolados. O aumento da espessura do córtex não era devido apenas a um maior número de células nervosas, mas havia também um aumento expressivo de ramificações de seus dendritos e das interconexões com outras células (…).
2008As partes das células estelares que crescem são os dendritos. É através dos dendritos que um neurônio recebe os impulsos nervosos de outras células, que são transmitidos através do corpo celular e a partir daí para o axônio. Consequentemente, o crescimento das ramificações dos dendritos só pode significar que os processos de intercomunicação nas células do córtex aumentaram e que mais dendritos tornam-os mais efetivos em termos de regulação da atividade dos circuitos neuronais.
Esse crescimento acontece também nos seres humanos?
Parece que sim, embora ainda não existam evidências diretas, tais como as observadas por Diamond em ratos. Porém, sabemos que as tarefas de ativação mental são acompanhadas por muitas mudanças, tais como mudanças no metabolismo cerebral (consumo de glucose por células cerebrais, aumento do fluxo e temperatura do sangue, etc). Essas mudanças podem ser observadas diretamente através de novos instrumentos de imagens computadorizadas, como por exemplo as imagens por ressonância magnética funcional (FMRI) e a tomografia de emissão de pósitron (PET) (…).
A conseqüência prática do conhecimento de que as células nervosas crescem e se modificam em resposta às experiências e aprendizagens enriquecedoras é extraordinária:
A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memórias futuras (…).
Na verdade, um estudo pioneiro realizado por Dr. David Snowdon, um neurocientista da University of Kentucky com freiras católicas vivendo em um convento no norte dos Estados Unidos, revelou fatos assombrosos que apóiam a teoria da estimulação cerebral.
Essas freiras foram escolhidas porque apresentavam uma longevidade maior que o resto da população: várias delas já haviam atingido mais de cem anos de idade. As freiras que viveram mais e que mostravam uma melhor saúde mental eram quase sempre àquelas que praticavam atividades tais como pintura, ensino e palavras cruzadas, que exigiam um constante “exercício mental”.
De fato, Dr. David surpreendeu-se ao observar, nos exames post-mortem, dos cérebros doados de freiras falecidas, que alguns que estavam com melhores condições mentais devida a essa rica estimulação, apresentavam todos os sinais da insidiosa doença de Alzheimer (…).
Conclusões
O crescimento neuronal e a regeneração enquanto resposta a fatores ambientais já não parecem impossíveis, devido ao que a neurociência já tem revelado em experiências com animais e seres humanos. Este conhecimento, de par com a descoberta dos mecanismos que tornam isso possível constituirá um portal para um mundo fantástico para a humanidade.”
AUTORES: Silvia Helena Cardoso, PhD. Psicobióloga, mestre e doutora em Ciências. Fundadora e editora-chefe da revista Cérebro&Mente, Universidade Estadual de Campinas.
Renato M. E. Sabbatini, PhD. Diretor Associado do Núcleo de Informática Biomédica, Universidade Estadual de Campinas.