
Falar sobre a morte nunca é simples. Mais do que um tabu social, o tema envolve mecanismos profundos do nosso próprio cérebro. De acordo com a neurocientista e parceira do Supera, Livia Ciacci, há uma explicação neurobiológica para a dificuldade que temos em lidar com a finitude — tanto a nossa quanto a das pessoas que amamos
“A nossa tendência natural de evitar o tema está ligada à sobrevivência. É, provavelmente, um mecanismo que nos permite viver o presente sem sermos dominados pelo medo ou pela desesperança”, explica Lívia.
O cérebro, segundo ela, possui um mecanismo de defesa automático que se “desliga” quando confrontado com informações que associam o eu à morte — como ver o próprio rosto ligado a palavras como “funeral” ou “fim”.
“Esse processo faz com que o cérebro interprete a morte como algo que acontece aos outros, não a nós mesmos. É uma barreira biológica que nos protege de internalizar completamente a própria mortalidade, mesmo quando a compreendemos racionalmente”, afirma a neurocientista.
Outro fator importante envolve o córtex pré-frontal mediano, região responsável pelo pensamento autorreferencial — ou seja, por refletirmos sobre nós mesmos. Essa área apresenta menor atividade quando projetamos nossa mente para um futuro distante, o que ajuda a entender por que muitas pessoas têm dificuldade em resistir a prazeres imediatos, economizar, praticar exercícios ou mudar hábitos de vida.
“Não é falta de força de vontade”, destaca Lívia. “O cérebro tem limitações em perceber relevância no futuro. Ele prioriza o presente e as recompensas imediatas.”
Como orientação prática, a neurocientista recomenda um exercício simples: visualizar a pessoa que você deseja ser no futuro. “Pensar no seu ‘eu futuro’ facilita decisões mais saudáveis no presente. E, ao viver o agora, esteja por inteiro nele. Encarar a finitude como parte natural da vida é uma forma mais leve de viver — toda boa história tem um final, e isso não precisa ser um fardo”, completa.
Luto: o cérebro em processo de adaptação
O luto é uma vivência individual, mas a ciência mostra que ele também provoca mudanças profundas no funcionamento cerebral. O sistema límbico, responsável pelas emoções, é diretamente afetado, o que intensifica sentimentos como tristeza, medo e desorientação. Também sofrem impacto os circuitos de recompensa e o córtex pré-frontal, ligados à motivação e ao controle emocional.
“A resposta cerebral à perda pode se manifestar em forma de ansiedade, perturbações no sono e pensamentos repetitivos”, explica Lívia Ciacci. “Mas o cérebro é capaz de se adaptar e se reorganizar ao longo do processo. Essa transformação leva tempo e acontece de maneira diferente para cada pessoa.”
Técnicas como escrita terapêutica, arteterapia, música e atividades manuais têm mostrado resultados positivos no apoio ao luto. Elas ajudam a reorganizar memórias e emoções, favorecendo o processamento saudável das experiências e estimulando a neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de se remodelar.
Durante esse período, há ainda a ativação do sistema nervoso simpático, o que aumenta os níveis de estresse e ansiedade. Ocorrem também alterações químicas, como a redução de serotonina — neurotransmissor associado ao bem-estar —, e impactos sobre o sistema imunológico.
O entendimento desses mecanismos ajuda a enxergar o luto sob uma nova perspectiva: não como fraqueza, mas como um processo natural de reconstrução. Reconhecer a finitude, compreender as reações do cérebro e acolher as emoções faz parte do caminho para viver o presente com mais consciência e serenidade.
E as crianças? Como falar de morte com elas?
De acordo com a especialista, as crianças também devem ser apresentadas à morte como parte natural da vida. O ideal é que os pais ou responsáveis tenham um diálogo franco e transparente por meio de informações verdadeiras e honestas, promovendo a construção do conceito de morte como algo natural desde a infância inicial, com disponibilidade para esclarecimento de dúvidas e escuta sensível.
Especialistas enfatizam a importância de ser honesto e utilizar linguagem simples e direta, adequada à idade da criança, evitando eufemismos como “foi dormir” ou “partiu”, que podem gerar confusão.
“O medo e a ansiedade dos adultos em discutir morte com crianças frequentemente resulta em fuga do assunto, privando-as de oportunidades de compreensão e expressão emocional, o que pode acumular consequências emocionais profundas. É fundamental deixar claro que o ente falecido não retornará. Frases ambíguas como “ele foi embora” ou “virou estrelinha” podem sugerir que o falecido pode voltar ou apenas mudou de localização, gerando expectativas irreais”, orienta Livia.
A especialista indica ainda que o assunto seja explorado de forma rotineira, aproveitando situações do cotidiano, aproveitando a morte de elementos da natureza – como flores e animais – para explicar o ciclo da vida do início ao fim. No entanto, é preciso ter cautela e considerar alguns aspectos como a idade da criança, seus níveis de sensibilidade e maturidade, bem como sua relação com o falecido. O ideal é que o adulto responda, apenas, às perguntas que a criança fizer, sem sobrecarregá-la com informações não solicitadas ou com cargas emocionais excessivas.
Veja o que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria:
- Seja Proativo: Não espere que a criança pergunte. A “conspiração do silêncio” ou “fingir que está tudo bem” é mais prejudicial do que a verdade.
- Ouça Ativamente: A parte mais importante da conversa é ouvir as perguntas e os medos da criança.
- Modele um Luto Saudável: É aceitável que as crianças vejam os adultos chorarem. Isto ensina que o luto é uma resposta normal e aceitável.