
O Supera participou, recentemente, do Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, o segundo maior evento de geriatria e gerontologia do mundo. Estivemos não só como expositores – com um dos estandes mais movimentados da feira – mas também como painelistas.
Durante o Simpósio Satélite apresentamos uma pesquisa sobre os impactos da estimulação cognitiva na longevidade, que foi ministrado pela gerontóloga professora doutora em Neurologia e especialista em Neurociências, Thaís Bento, que é parceira científica do Supera e pela diretora pedagógica do Supera, Patricia Lessa.
Ao longo de três dias de evento mais de 4 mil pessoas passaram pelo nosso estande e foram impactadas pela nossa metodologia exclusiva. Entre elas, grandes nomes da geriatria e da gerontologia, que dedicaram um tempo extra para conversar com a nossa equipe. Foram abordados temas relevantes para um envelhecimento saudável e o resultado você vê aqui.
A primeira entrevista foi com o médico geriatra Dr. Otávio Castello, que é fundador e atual diretor científico do Instituto Parentalidade Prateada e especialista em Neuropsiquiatria Geriátrica.
Ele conversou com nossa diretora pedagógica, Patrícia Lessa, sobre os desafios enfrentados após o diagnóstico de doenças como Alzheimer e outras demências, além de passar orientações para o cuidado e a organização da vida do paciente e de sua família. O médico também abordou temas como o idadismo e outros estigmas que impactam a vida das pessoas 60+, mostrando como essas questões se conectam diretamente ao processo de envelhecimento e ao desenvolvimento de doenças degenerativas.
Confira a transcrição da entrevista:
Supera – O senhor é um médico geriatra com enorme relevância e influência, há mais de uma década atuando principalmente em Neuropsiquiatria Geriátrica. Foi fundador, presidente e coordenador do grupo de apoio para cuidadores e familiares da Regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer. Quais os maiores desafios enfrentados por uma pessoa idosa e seus familiares quando do diagnóstico de demência?
Dr. Otávio: Quando a pessoa recebe o diagnóstico de Doença de Alzheimer ou alguma outra demência existe uma série de coisas que acontecem na vida dessa pessoa e das pessoas em volta dela. As demências não são uma doença contagiosa como um vírus ou uma bactéria, mas são contagiantes porque as pessoas que estão em volta vão sentir os efeitos daquilo que vai acontecer na vida da pessoa que tem demência.
A primeira coisa é que assusta muito quem está em volta, mas não é assim. As pessoas vão ter como passar pela doença, desenvolver uma jornada de aprendizagem, se capacitar, entender do que se trata, fazer frente aos desafios e conseguirem superar as adversidades. Então, o primeiro recado para as famílias é: não se desesperem, porque muitas coisas vocês terão condição de passar.
Uma das primeiras barreiras que as famílias vão ter que enfrentar é o estigma associado à doença. O que é isso? O estigma são crenças preconceituosas do que talvez seja ou não seja. Então, é associado à Doença de Alzheimer que tudo vai se acabar, que a vida não vai ser possível mais em nada, que a pessoa não vai poder ter nenhum tipo de qualidade de vida. E isso não é verdade.
O que a gente quer fazer é esclarecer como cuidar, como organizar a vida do indivíduo porque ele vai ter um tempo, que geralmente é longo, de meses a anos, ainda com autonomia para desempenhar essas funções. E tem muitas intervenções que podem ser feitas para isso, na maioria dos casos.
Um dos desafios, também, que a família tem que lidar é porque vão acontecer reorganizações nos papéis familiares. Então, se aquela pessoa idosa precisa ser cuidada porque tem demência, quem vai cuidar dela? Como esse cuidado vai acontecer? É na casa do indivíduo, daquele idoso? É na casa do filho? Ele vai morar em outro local? Quem são as pessoas envolvidas nesse cuidado? E tudo isso gera muita necessidade de diálogo, conversa.
Às vezes a família tem que se reorganizar, às vezes desavenças familiares antigas aparecem para serem resolvidas. Então, os desafios vão aparecer, mas existem os recursos para que eles sejam superados.
Supera: Eu sou filha de uma pessoa que teve o diagnóstico de Alzheimer 10 anos atrás, e posso te dizer com toda certeza: a doença, lógico, foi um grande susto no começo, porque minha mãe sempre foi uma pessoa muito ativa, mas a gente se resgatou enquanto família, no cuidado com ela. E hoje a gente tem um relacionamento com ela, que a gente retomou muito carinho. Tanto dela com a gente – coisas que a gente nunca vivenciou com ela, dela pra gente e da gente com ela também. Então, apesar de todo sofrimento, toda dor, existem hoje momentos de muito amor, muita acolhida. A gente acabou se reinventando.
Dr. Otávio: E é exatamente isso que acontece com a maioria das famílias: os papéis mudam, as coisas se reorganizam, mas ao final, as pessoas aprendem o que é necessário, as coisas se reorganizam e dá certo o cuidado.
É muito importante a gente lembrar que essa família vai enfrentar o que a gente chama de jornada do cuidador familiar. Ou seja, é um percurso de aprendizado, de entendimento do que é a natureza da demência, do que ela é, de como ela funciona, do que ela causa na vida das pessoas e de como a gente lida com ela. Porque no começo, na época que as pessoas recebem o diagnóstico, a maior parte não sabe o que ela é e como ela funciona e tem ideias que são estereótipos, ideias que são preconceituosas e que, muitas vezes, são ideias catastróficas de coisas que vão ter solução. Então, não existe só desgraça quando o diagnóstico de demência é feito, também existem ganhos, com toda certeza – desde que a família aprenda e o paciente aprenda a lidar com as coisas adequadamente.
Supera: A Educação tem sido apresentada por pesquisadores como sendo um importante fator de risco para a demência, porque ela contribui tanto para um envelhecimento ativo e principalmente para a saúde do cérebro das pessoas idosas e daqueles que estão envelhecendo?
Dr. Otávio: Muito interessante essa questão, Patricia. Em primeiro lugar: a baixa escolaridade formal, as pessoas que não estudaram lá na na infância, elas têm mesmo um risco maior de desenvolver Alzheimer e outras demências, isso é verdade. Mas também, as pessoas que, ao longo da vida, foram estudando, fazendo estimulação cerebral através de atividades educacionais, elas também estão mantendo as funções cognitivas ativas, estimuladas e, com isso, elas estão estabelecendo conexões. O cérebro ele forma novas conexões, mantém a sua saúde de funcionamento físico – eu estou falando de conexões entre neurônios, entre células cerebrais. Então, toda estimulação cognitiva que for feita, ele vai promover saúde cerebral.
E todo processo educacional, ele promove saúde cerebral porque ele mantém, em primeiro lugar, a ativação das funções cognitivas, mas existem também outros aspectos pra gente considerar em relação à educação. Por que? Porque pra gente receber educação, a gente geralmente está interagindo com um grupo de pessoas – e isso envolve habilidades sociais, envolve desenvolvimento de relacionamentos, envolve a gente estar sempre se sentindo útil diante das coisas que a gente vivencia. E o sentimento de ser útil, de estar em relação com as pessoas de uma forma plena, isso é altamente promotor de saúde cerebral. A educação tem múltiplos aspectos pelos quais ela promove a saúde cerebral – que vão desde aspectos sociais, da interação com as pessoas, de como se funciona, até aspectos que são lá da física, da parte material do cérebro, das conexões cerebrais e dos funcionamentos, por exemplo, das redes de neurônios do cérebro.
Supera: A gente acredita muito nisso também. A nossa prática de estimulação cognitiva por multicomponentes, ela impacta não só, né, a estimulação de habilidades cognitivas, mas principalmente essa essa questão da interação social, do convívio em grupo, né, valorização das histórias dos nossos alunos. Em relação ao Brasil, quais são os principais desafios em relação à saúde da pessoa idosa, em especial, lógico, a saúde do cérebro?
Dr. Otávio: Acho que o primeiro desafio em relação à pessoa idosa é o desconhecimento em relação às peculiaridades da pessoa idosa. E por desconhecerem as pessoas, a maioria das pessoas têm um preconceito contra a pessoa idosa. E aí, Patrícia, é muito importante explicar que esse preconceito é estrutural e o nome dele é etarismo. O que é isso? São crenças arraigadas que as pessoas nem percebem que são baseadas em estereótipos, baseados em preconceitos de que o velho é isso ou o velho é aquilo. Por exemplo, o velho fica esquecido, isso é entendido como normal. O velho fica dependente de cuidados, o velho fica rabugento. Todos os velhos são assim? Não. É normal um velho ficar esquecido? Não. É comum, mas não é normal.
Então esse preconceito que é o etarismo, ele precisa ser combatido para que as pessoas entendam o que é normal do envelhecimento e o que não é normal. Vou dar um exemplo: ter cabelo branco é normal, porque no máximo a gente pode, por questões estéticas, fazer uma tintura ou não, mas não é patológico, não é doença. Agora, a surdez acomete 30% das pessoas idosas. E surdez sempre é doença. Sempre é doença.
Mas como muitas pessoas acham que ser surdo é normal do velho, não se toma providência e aí deixa de colocar aparelho de surdez. E aí entra uma coisa muito interessante. Se a gente erradicasse surdez face da Terra, a gente diminuiria aproximadamente 10% dos casos de demência no mundo. Surdez é um fator de risco prevenível dos fatores de risco para doença demencial. A surdez é um fator de risco prevenível. a gente poderia ao combater a surdez, tratando a surdez com aparelho, você automaticamente diminui o risco daquela pessoa desenvolver demência.
Pra gente promover saúde cerebral, pra gente promover prevenção de demência, é preciso que a gente olhe uma série de fatores de risco sobre os quais a gente pode intervir. Então, tem os aspectos da saúde geral das pessoas, controlar pressão alta, diabetes, colesterol alto, não fumar, beber com muita moderação, controlar a obesidade, fazer atividade física, aquele bordão. Tudo que é bom pro seu coração é bom pro seu cérebro. Todo mundo sabe, né, as coisas que a gente faz para melhorar a saúde cardiovascular, a saúde do coração. Todas elas se aplicam pro cérebro também, mas tem outras.
Por exemplo, uma pessoa que tenha depressão, a gente tem que tratar, porque se não for tratada, aumenta a chance de ter doença de Alzheimer ou outra demência. A mesma coisa para surdez na meia idade. A surdez aumenta a chance de alguém ter doença de Alzheimer ou outra demência. A mesma coisa para deficiência visual, né? Os déficits sensoriais aumentam o risco de demência quando não são tratados. Então, além de a gente tratar todos esses aspectos relacionados à saúde física e ao estilo de vida, também se inclui aí uma alimentação saudável, qualidade de sono, por exemplo, além de você incluir esses fatores de risco, você também tem que manter um estilo de vida ativo, tanto físico quanto mental.
O estilo de físico de vida ativo, ele requer estimulação cognitiva. Ele requer que as pessoas estejam o tempo todo se desafiando, colocando situações onde elas colocam o seu cérebro, as suas capacidades à prova, elas vão desenvolvendo coisas novas e assim elas mantêm várias funções cerebrais ativas. Então é muito importante que não se faça só aquela atividadezinha padrão. Por exemplo, eu gosto de fazer palavras cruzadas, mas se você faz isso só isso, você não está estimulando seu cérebro, você já é conhecido para ele. Você tem que fazer coisas novas, atividades diferentes que te desafiem. E essas atividades são melhor feitas quando elas são de maneira lúdica, divertida, agradável. Melhor ainda se for em grupo, porque tá em relação com outras pessoas. Melhor ainda se ela for estimulada por uma pessoa que conhece, vai dando uma instrução, vai vendo como você rende. O que é isso que nós estamos falando? É um processo de aprendizagem.
Isso sendo prazeroso, agradável, numa forma em que a gente faz isso com as pessoas, ali também é um grupo aonde a gente cria vínculos sociais. é o grupo onde a gente vai e faz a nossa atividade e faz o lanche da quarta-feira, o bate-papo, assim como tantas outras atividades que são promotoras de saúde cerebral pra pessoa idosa.
Supera: Sim, Dr. Otávio, foi um prazer grande ouvir você falar. Tantas informações muito relevantes pra gente aqui do Supera e também pras pessoas que estão nos ouvindo. Muito obrigada!
Dr. Otávio: Legal. É um prazer estar aqui com vocês. E olha, um recado final para você que está nos ouvindo. É assim: saúde cerebral é uma coisa que não pode deixar para amanhã. Ela requer uma atitude proativa da gente desde cedo. Não adianta as pessoas terem medo de que lá na frente algo poderá acontecer. É hoje que a gente tem que ter práticas de vida saudáveis que vão gerar saúde cerebral ao longo da vida. Então, se cuide desde já, combatendo todos os fatores de risco para demência e cuidando da sua saúde cerebral, mantendo seu cérebro ativo
Para ver a entrevista na íntegra, acesse aqui.