
O Brasil não fala de outra coisa a não ser a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Bets e não é para menos: o assunto é sério e impacta a vida de milhões de pessoas. Não se trata, apenas, de uma escolha, mas um problema real e coletivo.
De acordo com dados do Banco Central, os apostadores gastam até R$ 30 milhões por mês no Brasil. Isso significa que uma parcela significativa do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e de programas sociais do governo estão sendo destinados para as casas de apostas – as únicas vencedoras nesse contexto.
Um estudo recente divulgado pelo Journal Of Gambling Studies investigou a relação entre letramento financeiro e atitudes financeiras como fatores protetores versus comportamento patológico em apostas. O resultado foi que quanto menos as pessoas entendem de economia, finanças, estatística e probabilidade, mais ela se envolve de forma patológica com esse tipo de jogo.
Considerando um país como o Brasil, gigante em extensão e com um perfil educacional deficitário, o papel dos influenciadores precisa ser levado a sério. Quando uma influenciadora digital com mais de 50 milhões de seguidores, diz, diante de parlamentares, que “aposta quem quer”, ela está negando uma realidade que impacta milhões de pessoas cuja biologia cerebral não permite escolhas racionais.
A neurocientista parceira do Supera, Livia Ciacci, explica que o vício em jogos pode afetar outras funções do corpo. “A visão é afetada pelo tempo de exposição em telas; a postura corporal é prejudicada, trazendo consequências como dores na coluna, sedentarismo; má alimentação e negligência com a saúde em geral, contribuindo para obesidade, doenças músculo esqueléticas e cardiovasculares”
O efeito dos jogos de aposta no cérebro
O grande problema das bets e derivados é a dinâmica envolvida. A lógica é a seguinte: você aposta R$ 30 e ganha R$ 35 e o seu cérebro recebe descargas hormonais que favorecem a compulsão.
“Quando você tem o primeiro ganho há uma descarga de dopamina, o que desperta a vontade de ganhar mais e mais. Quando você perde, acaba apostando mais para recuperar porque o nosso cérebro tem o viés de lembrar da memória mais recente, que é o lucro”, ensina Lívia.
E esse ciclo de querer ganhar mais e recuperar o investimento, faz com que o apostador crie estratégias para retomar os ganhos financeiros. Isso gera uma necessidade de apostar alto para alcançar a excitação desejada. “Esse comportamento se chama “perseguir as perdas” e compromete não só a saúde financeira do indivíduo, mas também suas relações familiares”, alerta.
E algumas características deixam as pessoas ainda mais suscetíveis ao vício como: vulnerabilidade social, a química cerebral favorável, imaturidade cerebral.
Somado a isso, ainda é preciso considerar as estratégias agressivas de marketing, que tornam as casas de aposta onipresentes no ambiente digital e, claro, a influência de amigos, familiares e dos influenciadores digitais que acabam se tornando “pessoas de confiança” dado o excesso de exposição da vida íntima, gerando aproximação, identificação ou inspiração para o público.
O papel dos influenciadores digitais nesse contexto
Vivemos um tempo em que a vida é mediada pela tecnologia e a fama se tornou acessível para qualquer um com um celular na mão e acesso à internet. O compartilhamento do privado em larga escala, especialmente quando falamos de uma vida luxuosa, desperta fascínio nas pessoas.
Quanto mais um influenciador posta coisas banais do dia a dia, mais próximos dele os seguidores se sentem. Dessa forma, vai sendo criada uma relação de confiança em que o influenciador assume um papel de autoridade na vida das pessoas que o acompanham, uma indicação de produto, curso ou tratamento vindo dessa pessoa tem muito valor e as marcas sabem disso. As casas de aposta também.
Virginia Fonseca, acusada de lucrar com as perdas de seus seguidores nas apostas, sabe bem disso. E usa a imagem sempre a favor da mensagem que quer passar – prova disso é a estética teen que assumiu no seu depoimento. De moletom com estampa infantil, óculos e um copo cor de rosa, a moça em nada lembra a mulher poderosa e bem sucedida que arrebata milhões de pessoas todos os dias.
Nós, como consumidores de informação, precisamos estar atentos a essas entrelinhas da comunicação dos influenciadores para evitar cair em ciladas com efeitos bem nocivos – financeiros, sociais ou na saúde.